IDOSO, EU?

Na interminável fila da casa lotérica, enquanto aguardava minha vez de fazer o jogo da mega sena e alimentava a esperança de ganhar o grande prêmio, uma moça com ar de samaritana, vestida com uma blusa com a estampa do Luan Santana, acenou para o funcionário e lhe disse: - Hei... o senhor aqui é idoso – disse apontando o dedo para mim; o idoso que a jovem solidária queria proteger, não era outro, senão eu.

Esclareço que não estava incomodado de enfrentar a enorme e sepeante fila, o que me incomodava mesmo era uma mulher de meia idade, gorda, de seios fartos e bastante volumosos. Ela exalava um insuportável odor de perfume barato, creio que, Patchouli, sem duvida no falsificado Paraguai. A corpulenta senhora, além de me obstruir a visão do guichê, trazia pela mão um garotinho chorão e buliçoso a lhe enroscar nas pernas, a quem ela chamava aplicando-lhe pitos, de Michael Jackson. Como chorava o Michael!

Na hora, tive vontade de pedir à jovem que falasse mais baixo, contudo, a vergonha era tanta, que a voz não me saiu. O que mais me irritou foi a segurança e a ausência total de hesitação ou dúvida da moça alcaguete. Como é que ela tinha tanta certeza da minha idade? Que ousadia! Quem lhe garantiu que eu tinha 60 anos? Por acaso ela olhou meus documentos?

Como se estivesse conduzindo um homem tolhido em seus movimentos, o funcionário segurou-me gentilmente pelo antebraço e com o maior cuidado, amparando-me, levou-me para o início da fila; fiquei tão assustado que não tive nenhuma reação. Tornei-me estático e com os lábios vincados. Esperei com enorme esperança que as pessoas ali presentes se revoltassem e dissessem em alto e bom tom que eu não era idoso e não poderia furar a fila. Aguardei ansioso o clamor dos presentes; mas, nada! Todos quedaram silentes! Ninguém se manifestou ou protestou. Para meu desaponto todos concordaram. O silêncio de aprovação aumentou o sentimento de que eu era ao mesmo tempo privilegiado e vítima do tempo. Notei que estavam com dó de mim. Que humilhação!

Fiquei envergonhado, não pela revelação do meu estado, pois ainda não sou nenhum caquético, mas sim pela interferência imediata do funcionário que me conduziu ao início da fila. A atitude da moça delatora, alinhada a do funcionário, atraiu a atenção de todos, e não houve protestos, a não ser o meu, contudo, intimamente, sem maior alarde. Que vergonha!

Confesso que ainda não me recuperei do choque, sinto-me traumatizado, muito embora me sentisse acostumado a vários e traumáticos ritos de passagem para a maturidade, ou seja; dos 40, e dos 50. Mesmo assim, fiquei deprimido ao chegar à casa dos 60 anos. Sobrevivi ao choque da chegada a terceira idade. Quando um amigo assim me designou tive uma ânsia louca de xingar e esbravejar, todavia, controlei-me. Falou a voz da razão! Coisa de gente vivida!

Nunca achei que viesse a ser apontado ridiculamente, por uma jovem dedo-duro, como pessoa idosa; ainda é muito cedo. Acho que não se está morto até morrer.