TANGERINI E PÊRA
SOBRE O BEIJO
Nestor Tambourindeguy Tangerini
Vinha eu pela rua do Ouvidor, quando se me depara o grande primeiro ator Manuel Pêra. Pela rua do Ouvidor, sim. Sou conservador e a referida via me continua sendo a velha e tradicional rua Ouvidor. Entre mim e o Pêra como que acabava de realizar-se uma transmissão de pensamento, pois ia, mesmo, torcendo por vê-lo na cidade. Inteligente e cheio de bossa, poder-me-ia ser bem mais útil do que qualquer literato cediço.
- Olá, Pêra! Nem de encomenda...
- Como vai o senhor, Conselheiro?
- Vinha agora mesmo pensando em me encontrar com você.
- Que temos de novo?
- Preciso que você me tire de uma sinuca.
- Ora, Conselheiro!... Quem sou eu para acompanhar Nosso Pai fora de hora? Em que posso servi-lo, Conselheiro?
- Prometi à Alda Garrido escrever, n´O Espêto, uma crônica sobre o beijo, esquecendo-me, no entanto, de que o assunto é dos mais esgotados.
- Realmente. Vem de quando Adão e Eva se beijaram, pela primeira vez, naquela marmelada de maçã, passa pelo beijo de judas e chega até ao beijo cinematográfico de hoje.
- De modo que é quase impossível apresentar coisa inédita.
- O recurso é lançar mão do que há sobre o beijo e fazer novidade na feitura da crônica.
- Bem lembrado. Então, recapitulemos.
- Comece o senhor.
- Para o filósofo, o beijo é nada, e, como o nada, pode gerar muita coisa...
- Para o médico, o beijo é um dos transmissores dessas erupções que não dão em poste da Light...
- Para o advogado, o beijo é um mandado de segurança...
- Para um engenheiro da Central, o beijo são bocas que se encaixam como dois vagões entrando um no outro...
- Para o químico, o beijo é uma droga inflamável...
- Para o padre, o beijo é um ato que só se pratica religiosamente nas santas e nas comadres...
- Para o DASP, o beijo é um concurso de primeira entrância...
- Para o Comandante do Corpo de Bombeiros, o beijo é aquela água... se o fogo não for muito grande.
- Para o Dr. Jaime Guimarães, chefe da 4ª Secção dos Correios, o beijo é o selo do amor.
- Alguns, dá-lhes na cabeça beijar cabelos.
- Outros acham que só se deve beijar o beicinho de baixo, porque o de cima fica perto do nariz...
- Os namorados cheios de dedos procuram beijar na mão.
- Outros metem os pés pelas mãos e beijam em qualquer parte...
- Os japoneses, geralmente, não beijam.
- Os franceses gostam muito de beijar no pescoço...
- E você, Pêra, que diz você a respeito do beijo?
- Para mim, Conselheiro... Para mim o beijo é uma porcaria gostosa, como outras porcarias...
- Deu-me o grande comediante a sua opinião e despediu-se, comunicando-me partiria para São Paulo, a fim de lá estrear na Companhia Procópio Ferreira...
E está feita a crônica...
Crônica publicada na revista O Espeto, Ano 1, nº 2, 1/5/1947, pág. 2, com o pseudônimo Conselheiro Armando Graça.
Publicada, também, no livro PERFIL QUASE PERDIDO – UMA BIOGRAFIA PARA NESTOR TANGERINI, de NELSON MARZULLO TANGERINI.
DADOS BIOGRÁFICOS:
Manuel Pêra - Ator de teatro, cinema e televisão; pai das atrizes Marília e Sandra Pêra, era casado com Dinorah Marzullo Pêra, filha da atriz Antônia Marzullo.
Alda Garrido - Atriz de teatro, muito amiga de Antônia Marzullo, dos Pêra e dos Tangerini. Trabalhou com Antônia e as irmãs Dinah e Dinorah Marzullo.
Procópio Ferreira - Ator de teatro; pai da atriz Bibi Ferreira. Ambos amigos da família.
Nestor Tambourindeguy Tangerini – Escritor teatral, jornalista, cronista, poeta, caricaturista, compositor e professor de língua portuguesa; casado com Dinah Marzullo Tangerini, irmã do advogado e poeta Maurício Marzullo.
Filhos de Nestor Tangerini e Dinah Marzullo Tangerini: Nirton, Nirson e Nelson Tangerini.
[Manuel Pêra era tio de Nelson Tangerini, que era filho de Nestor Tangerini]
ARQUIVO FAMÍLIA TANGERINI
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