(IN)JUSTIÇA

Em mil novecentos e noventa passei por um processo administrativo (outra hora conto os motivos) e fiquei sem salário. Mãe de um guri excelente, então com nove anos, foi um deus-nos-acuda.
Imaginem o que é para uma “mãe casada”, criar filho e pagar contas, sem nenhuma ajuda ou compreensão que fosse dos amigos de profissão. ”A ré estava condenada a passar perrengue e seu filho a reboque!”
Nessa época, não existiam os empréstimos consignados, que desprezo, mas utilizo, por serem agiotas menos violentos. Não existindo os consignados e sabendo que recorrer aos agiotas não resolveria, recorri aos amigos. Meus amigos, que sempre foram poucos, não puderam ajudar. Um deles indicou uma pessoa “legal” segundo ele e lá fomos visitar o tal homem. O dinheiro foi entregue na frente de meu amigo e o problema temporariamente resolvido. Chegou o dia de saldar a dívida e o meu problema com o processo administrativo ainda perdurava. Em minha ignorância, por saber que estava “coberta de razão” achei que seria resolvido logo. Não foi. Aí tive de renegociar a dívida. Dessa vez o amigo não pode ir junto. Fui ao trabalho do tal homem. Aguardei na antessala com as panturrilhas tensas, a cabeça entre os pés e o coração saltando das mãos, que o retorciam impiedosamente em muda prece. Finalmente fui chamada pelo simpático e sorridente senhor. Ao explicar os motivos da renegociação mantinha meus olhos fixos em algo que não fosse ele... De repente algo que ele disse me despertou do torpor e olhei-o. Vi que fazia uma espécie de malabarismo, com vários pacotes de cédulas, enquanto falava. Perguntou se eu precisava de mais. Falei que não, pois se não honrara o prazo anterior, como poderia?Aí ele deu um prazo maior e aconselhou-me a manter a calma. Convidou-me então, para conhecer o local e lá fomos nós. Nada comentarei do local, para preservar a integridade da instituição. Paramos em uma sala onde havia uma espécie de exposição e enquanto eu admirava o que ele gentilmente explicava e mostrava, visto ser eu uma perguntadeira incorrigível, ele me prendeu em seus braços com força e ficou balbuciando em meus ouvidos que dependia somente de minhas atitudes a resolução de minha vida... Para encurtar a história repulsiva só consegui livrar-me da “chave de abraço”, pois lhe disse que se não me soltasse eu gritaria. Era uma instituição pública. Ele soltou. Quando me vi na rua o mar de minha alma saltou dos olhos em ressaca. Quando finalmente consegui o dinheiro pedi ao amigo que me indicara esse inferno para entregar. Nunca mais voltei lá. Talvez se fosse hoje tudo seria diferente.
Vejo pessoas serem acusadas de corrupções, que não foi meu caso e continuarem com seus vultosos salários...
 Além disso, poderia processar o canalha sem beijo ou lágrimas... Só sei que matei esse homem. Nunca mais vi. Ele não merece ser chamado de homem. É uma ofensa aos humanos. Nem de cão, pois é ofensa aos animais. É um pobre diabo...

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VIVER É PRECISO


P.S.: Hoje reli esse texto, compartilhado no facebook e descobri que havia esquecido completamente esse episódio existencial. 
Relembrei, fiz um #FBF, porém não, aparentemente, nenhum sentimento ruim. 
A vida é feita de aprendizados. 
O que não te mata, te fortalece realmente!
17/09/2021
INEZTEVES
Enviado por INEZTEVES em 12/02/2011
Reeditado em 17/09/2021
Código do texto: T2786985
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