Lembranças: A pescaria
Acho que todas as pessoas deveriam registrar suas lembranças. Seja de forma escrita, gravada, ditada ou qualquer outra forma de registro. Pode ser muito útil registrar lembranças do passado, sejam elas boas ou ruins. Pode ser também uma forma de não morrer, ainda que sejamos mortais. É ainda, uma forma de permanecer vivo entre os seus, não fisicamente, mas na lembrança.
Imagine o seu tataraneto tendo acesso a descrições de como era o modo de vida a oitenta, noventa, cem anos atrás, é uma experiência no mínimo enriquecedora. Sem falar que as lembranças de alguns personagens podem ser úteis como registros históricos de determinada localidade, cidade ou até mesmo de um país. Não será, certamente, este o meu caso, mas irei registrar por escrito algumas lembranças destes meus vinte e oitos ano de idade, mal vividos. Não vou estabelecer nenhuma ordem cronológica ou qualquer outro tipo de ordem, vou escrevê-las à medida que forem surgindo em minha atordoada cabeça.
A primeira delas é ainda do tempo em que eu morava lá na roça, é sobre nossas pescarias. Nós gostávamos de pescar, eu e meus irmãos. Eu adorava pescar de anzol, pois existem outras formas de pescar: gereré, rede como devem saber. Eu gostava de pescar de anzol por que não precisava entrar na água para capturar os peixes. Sempre fui, desde aquele tempo, muito medroso. Quando pintava uma pescaria de rede ou gereré eu ia apenas como apoio, ou sei lá como se chamava aquela função que eu desempenhava que era apenas recolher ao cesto os peixes que caiam na rede. E, além disso, carregar o cesto - óbvio.
Mas, como disse, eu gostava mesmo era de pescar com anzol. Ver a linha sendo puxada para o fundo do riacho era uma experiência maravilhosa, triunfal, eu me sentia gente quando puxava para cima o peixe fisgado no anzol.
Pois bem, em uma dessas pescarias, estávamos eu e meu irmão Muquim (Crispiniano) que é dois anos mais velho do que eu. Já estávamos bem distante de casa, nas terras da fazenda Patrícia, vizinha à roça do meu pai. Nesse local, o riacho era mais largo e fundo e era onde viviam as traíras. As traíras eram os peixes mais cobiçados por todos, pois eram maiores e mais “selvagens”. Na ordem de preferência, primeiro vinham as traíras, depois as piabas grandes e por último os jundiás que tinham grandes bigodes, umas barbatanas pontiagudas que furavam nossos dedos e eram peixes muito feios. O pescador que pescava uma traíra de anzol era “o cara”!
Pois estávamos naquela parte do riacho tentando pescar as tão desejadas traíras. O local era uma várzea com pequenas depressões que ficavam cheias de água após o riacho transbordar e voltar a seu nível normal. Essas depressões são chamadas de igapó. E tinha exatamente um igapó com bastante água perto do local que escolhi para lançar meu anzol. Lá estou sentado tranquilamente com a vara na mão quando de súbito senti um puxão na linha, percebi logo que se tratava de peixe grande. Sem vacilar puxei a vara com toda a força e enquanto puxava vi que era ela, a cobiçada traíra. Mas com a força que pus para puxá-la a danada não ficou fisgada no anzol como deveria, “escapuliu” do anzol, voou por sobre minha cabeça e caiu uns cinco metros atrás de mim, adivinhem onde?! Exatamente! Dentro do igapó. E pelo barulho que fez quando caiu na água parecia ser das grandes, tão grande que meu pequeno anzol não a agüentou. E voltamos para casa, eu extremamente decepcionado, era a primeira vez que eu pegava ou pegaria uma traíra. Eu devia ter uns onze a doze anos de idade.