FILMANDO EM FLASH-BACK
Olhando bem, o rosto na janela / reflete a paisagem que se desmancha enquanto o carro segue. Olhar distante, ausente fita longe, quase nada. A estrada é nossa melhor entrega: Quantas fogueiras deixamos para trás? Quantas canções? Quantas primaveras passaram sem que se notassem / as flores, as cores, os gestos, os fatos? Praias pela alma / cruzada sem destino / aquele país guardado sem talher nem guardanapo. Sou arauto incontido, assistido & acorrentado pelo pó que a tudo cerca / mudo, parto para o nada / à cata de um capricho / um desvio de memória / uma estranha rotatória: “inocente ou culpado?”.
Inocente & culpado. A estrada prossegue.
Cada blues que ouço / dá a sensação de partida & o verão é a melhor estação para uma alma corsária. Estradas são entidades femininas, sinuosas & sedutoras.
Ainda tenho coragem de sentir / não sei bem se a noite acaba / às vezes dá vontade de partir / exilar-me em algum lugar / mas qualquer um parece perto o bastante.
”Queres saber de onde venho & pra onde vou?”.
Conte algo que eu ainda não saiba.
“Vivo permeando a dúvida, tola escolha de princípios & razões”.
Tenho visto & aprendido o que nem sempre sei / já jurei ser feliz / juntei a alma, fiz embrulho / pus sob o braço e sem estardalhaço parti / voltei & parti & tornei a mim.
Tentando voltar pra casa / toda procura é um ato de fé / a fé, ausência de dúvidas / uma dívida que jamais se paga.
Vivemos percorrendo limites / correndo riscos, perdendo chances.
“Toda queda impulsiona ao novo”.
Eis porque estamos vivos & sãos.
“Sem chance”.
Já divagamos sobre paisagens, cidades, montanhas, pastagens / searas que escorrem pela janela como num filme veloz & com câmera na mão.
Tenho assistido a filmes sem conteúdo / depois de tudo o que salva é o intervalo.
Toda propaganda é colorida / destoada, instantânea & de bem com a vida.
Acabaram as serenatas, os recitais, os saraus / as modas de viola & de carnaval / as viagens de trem.
Estão minando também as possibilidades de sonhar.
“Sem sonhos fica difícil viver”.
Sabes bem que podemos & devemos / criar nossos acessos de loucura lúcida & intempestiva / subir pela com a maré alta até a grande fogueira / aquela que nos aquece a alma com o furor dos rituais ancestrais. Onde estão os vinhos & uvas que ainda não celebramos? Que música é esta que nos guia milenarmente sem pressa alguma?
Toma-te de assalto: vamos dar cor a este filme P & B. Voltemos à estrada e façamos o quanto antes o roteiro de nossas vidas. Todo filme termina com THE END. Comecemos pelo contrário.
wallace puosso / jul 05
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