O menino entre os cifrões
Fim de janeiro e um calor insuportável. A Copasa reinaugurou recentemente sua galeria de arte no saguão de entrada da empresa. Para aliviar o calor do sol, nada como o calor humano. Sim... Humano. Expressado na arte.
A mostra traz imagens de afeto sob o ponto de vista de três artistas de estilos diferentes. São imagens que nos recebe calorosamente e estimula em nós a recíproca. Lá vemos tudo que vivemos no dia a dia, cordialidade, carinho, luta, tristeza, tudo naqueles olhares e expressões faciais.
O que mais me chamou a atenção foi um óleo sobre tela do busto de um garoto que aparenta ter seus dez anos. Cabelos loiros que escorrem pela cabeça bem torneada, oval. Lábios e nariz imponentes anunciando sucesso com o sexo oposto em breve. Sua pele clara se alia aos finos filamentos de queratina do couro cabeludo, em prol de destaque na tela, onde o fundo escuro tenta em vão, ao lado da camisa de malha preta, sobressair aos olhos do apreciador. Os seus lindos olhes verdes sutilmente direcionados para a direita do observador nega a inclinação do rosto de queixo fino para a esquerda, formando ambos um mesmo ângulo quando entrecortados pela linha de visão de quem observa.
O mais interessante. Sem sorriso. Os referidos olhos, contemplando o longe, expressam opressão. E quem olha coloca toda a responsabilidade ou culpa da vivência da personagem nos lúdicos óculos vermelhos, onde cada falsa objetiva do instrumento leva despreocupadamente a forma de um cifrão. Eles sim sobressaem na pintura.
Os óculos dão a impressão de aprisionamento com as duas barras verticais que cortam casa “S” e trancafiam o olhar do menino. A armação, prendendo a pelugem capilar, reforça sutilmente a impressão causada, como se sustentasse um sorriso irônico.
Vemos e vivemos uma sociedade na atualidade, oprimida cada vez mais cedo, pelo sistema que insiste em valorizar cada vez mais o papel “ouro de tolo”, sobrepujando a liberdade de expressão da vida que deve ser vivida. A censura sempre existiu e agora ela está ainda pior, porque somos nós mesmos que nos aprisionamos.
Possivelmente Nilcéa Moraleida não tentava retratar desta forma quando pintava uma criança de sua convivência, mas arte é assim mesmo. Tentamos tornar tangíveis os sentimentos como sentimos e quem observa vê com a mescla de sua experiência de vida.
A ela e as companheiras de exposição, Camila Otto e Rachel Leão, meu aplauso. Ao leitor minha recomendação. A mim mais uma oportunidade de deleite e aprendizado.