33. O Nirvana em Authevernes
Se o nirvana não for o que me acaba de acontecer agora aqui, então, digam-me lá o que é porque assim eu já não sei nada e como eu quero aprender e saber alguma coisa façam-me lá esse favor de dizer o que é.
Sem me passar pela cabeça em ir à procura disso ou do que fosse em concreto, mas apenas deixar-me ir de peito aberto ao que fosse encontrar, não será motivo de sentir nirvana ter comprado por um euro o diário de Kurt Cobain (Journal, musiques & cie) e ouvir, também sem procurar, continuo a ter sorte nesta terceira parte da minha vida, as vezes que quis de graça o crazy rhythms do saxofonista Coleman Hawkins tocado num gira-discos dos anos trinta?
Eu senti nirvana e para quem não achar isso motivo de o sentir, bom-dia, cada qual fique com o seu ponto de vista que eu senti isso.
Como não há duas sem três nem três sem quatro, comprei três boxers (cuecas com nome chic) a um euro cada. Digam-me lá se isso não é também nirvana, em São Miguel compro a sete euros cada.
E aquele vegetal que à primeira me pareceu trigo e depois vi que não era, que vejo ao longo das estradas da Bretanha, cujo nome me intrigava, alguns diziam ser aveia, outros que talvez fosse linho, afinal é colza (não sabia como se traduzia mas fui ao Google e vi que em português era couve-nabiça e em latim brassica napus). Esta couve-nabiça serve para fazer óleo
O que digo estar a acontecer tem acontecido na brocante de Authevernes agora de manhã.
La brocante (foire à tout, vide grenier: uma espécie de feira da ladra) entrou nos costumes dos franceses vai já para mais de uma dúzias de anos. Os meus primos, o neto e a nora, e eu, viemos a Authevernes, uma vila normanda a catorze, treze quilómetros de Neaufles - St. Martin. Cada terra, cada terreola, tem uma vez no ano a sua brocante.
Neste dia 14 de Julho, sobrevoavam o carro dezenas de Mirage em formação, o céu estava todo forrado de nuvens e já na feira começou a fazer relâmpagos e trovões.
Foi enquanto estive abrigado debaixo da tenda de Mr Couturier, que conheci o Mr Couturier, de nome completo Guy Couturier, dono da banca onde comprei Cobain e ouvi Hawkins. Mora em Paris mas tem casa de campo por ali.
Antes de me ir embora debaixo de água em direcção ao carro estacionado num campo de trigo, aqui estamos em território do trigo, aliás toda a zona que tenho percorrido, Neaufles, Evreux, Vernon, atrevi-me a pedir de novo Hawkins.
E ouvi. E ele ouviu. O meu primo Michel também ouviu.
Mário Moura
Authevernes, 14 de Julho de 2010
(passado em Neaufles – St. Martin)