DA DIETA E DO LIXO
Cinema é uma das melhores coisas que há na vida.Existiu quem dissesse que o cinema havia morrido. Na verdade, a indústria cinematográfica utiliza novas técnicas para atrair frequentadores.Que usem os "medicamentos" possíveis, contato que o salve! Vou tanto que esqueço que as programações mudam. Se o filme for de arte é tudo de bom. Planejei assistir Dieta Mediterrânea, o que aconteceu no dia seguinte. Enquadrei este filme espanhol como uma comédia dramática, pois há cenas tão divertidas que achei-o cômico e soltei minhas risadas. Versa sobre um triângulo amoroso entre a jovem chef Sofia e seus dois amores, o marido Toni e o amigo Frank. A amada lida muito bem com os dois jovens, tornando-se inclusive sócios em um restaurante que leva o nome de Sofia. Fico questionando como se vive com dois amores.No filme deu certo, mesmo incomodando os habitantes da pequena cidade onde vivem os protagonistas. É estranho e jamais entraria numa dessa, até porque sempre fui exclusivista e intensa na minha escolha. Conheço quem lida com naturalidade e sem culpa com relacionamentos a três. São opções e a responsabilidade e consequência é de quem faz este tipo de escolha.
Entrei no Cine SESI e comecei a perceber uma espécie de documentário passando após os trailers e, como estava demorando um pouco, fui me dando conta de que estava assistindo Lixo Extraordinário. Iria ver este filme em outra ocasião, mas foi uma surpresa boa e inesperada ele chegar de presente para mim.
O já famoso e um dos maiores nomes como artista plástico no exterior, Vik Muniz, resolve levar adiante seu projeto de filmar, no maior aterro do mundo,Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, os catadores de lixo. Sua mulher adverte-o quanto aos perigos de contaminação, já que ia viver uns três meses na companhia dos catadores. Este trabalho durou tr\ês anos. O filme foi dirigido pela britânica Lucy Walker e pelos brasileiros Karen Harley e João Jardim. Começa Vik a observar quais os catadores deveriam ser fotografados, mas começou a conhecer fatos da vida dessas pessoas e parte de suas vidas foram belamente dissecadas,identificando os anseios, o porquê de terem escolhido viver no aterro, com toda aquela abundância de lixo para obter objetos recicláveis. Destacou uma bonita jovem, mãe de dois filhos, uma outra que vivia com um caminhoneiro e queria sair daquela vida. Uma jovem senhora havia perdido o emprego e, como saída decente, buscou esta profissão. Impressiona-me o depoimento de quando ela estava voltando de ônibus para casa e uma passageira reclama que ela está fedendo. Ela justifica que é por conta da profissão, mas que está indo para casa tomar banho. E ela? É como se dissesse:" Estou indo me limpar de coisas que saem com um bom banho, de um trabalho honesto e decente que tenho, mas você deve ser uma pessoa infeliz, fazer o que não gosta e ganhar a vida de forma fácil”.
Linda lição pode ser tirada da fala de Tião, Presidente da Associação dos Catadores, um jovem bonito, entusiasmado com o que faz e que conseguia mostrar que o grupo possui força e pode fazer suas reivindicações. Uma pessoa inteligente e que lia filosofia, contrastando com tantos que possuem "altos' e não conseguem ler nem uma bula de remédio. Como enxergava a vida com garra,Tião levava a esperança para seus associados. Momento lindo de felicidade ao ir com Vik ao leilão de arte, que aconteceu em Londres, e sua emoção refletida em muitas lágrimas, ao ver o quadro em que serviu de modelo ser leiloado.
A experiência dos catadores terem participado de um trabalho ligado à arte, à beleza, fez com que mudassem de vida e era este o propósito de Vik. Apenas a responsável pelo restaurante, a céu aberto, resolveu retornar ao Aterro, porque diz que a missão dela é continuar cozinhando para alegrar seus companheiros de jornada.
Do outro lado, no filme Dieta do Mediterrâneo, vemos o máximo da sofisticação na preparação de requintados pratos, principalmente depois de um curso feito na França, quando a atriz principal, a Sofia, tal qual a cozinheira do "Lixo Extraordinário" tinha o gosto e o saber de trabalhar a culinária para as pessoas terem o prazer gustativo. Duas realidades e o mesmo dom entre as duas mulheres: o cozinhar com amor e fazê-lo bem.
Vik Muniz foi feliz em seu trabalho. Louvável a humildade, a inteligência, o desapego e o sentido humanitário em mexer com tantas vidas que vivem à margem da sociedade. Ninguém imagina a dinâmica familiar, psicológica, econômica dos catadores de material reciclável, como fala o Tião: "Lixo é o que não presta". Após o filme,a sensibilização que aflora em cada um que o vê, a forma de perceber o que se joga fora diariamente em nossa casa, favorece uma reflexão sobre vidas que são os párias sociais ,mas que são movidos por carinho, força e muita esperança. Uma lição de vida que o grande Vik demonstra, inclusive não sendo ele o foco principal da película.