Lugares que lembram situações ou que os olhos d'alma sentem prazer - ll
Continuando à passear por lugares que lembraram situações, volto ao ano de 1994, as vezes penso que este ano não foi bom para ninguém, no início dele, no mês de março, quando as águas encerram o verão, como fala a canção, sofremos três enchentes, a primeira de menor proporção, chegou até a encostar na sola dos pés de meu irmão que dormia sossegadamente em um fim de semana, a segunda, só estava em casa eu e a mamãe, levantamos o que pudemos levantar, ela já veio em proporção maior que a outra, deu pra salvar alguma coisa, porém a terceira, veio e não houve tempo para nada, somente quem estava em casa, era a sobrinha da minha cunhada e meus dois filhos, porque, minha mãe estava internada no hospital São Camilo, com suspeita de leptospirose, adquirida na segunda enchente, assim, estávamos no hospital na hora da chuva, isto é, eu e meu marido, quando chegamos de ônibus ao Lgo do Japonês, mal podíamos descer do coletivo, e os bombeiros já estavam apostos, recebendo um por um e atravessando até o outro lado da rua, passei assim segurando numa corda e caminhando, porém a força da água era tamanha que tínhamos que por uma força extra ao segurar a corda, meu marido atravessou na frente e correu em disparada rumo à casa, pois, nossos filhos tinham ficado lá, o mesmo fiz em sequência e quando chegando na Trav Arouca, onde morávamos, ví o botijão de gás sair pela porta da frente da casa, assim como diversos pares de sapato e roupas também, corri o mais que pude, graças ao bom Deus, a vizinha que morava em cima levou meus filhos e a sobrinha da minha cunhada, bom, mas para explicar esta história melhor, tenho que dizer que eu, meu irmão e minha mãe morávamos este tempo juntos, como eu estava enfrentando alguns problemas no trabalho, devido faltas, toda vez que as crianças ficavam adoentadas, assim, tentei no início colocar uma empregada em casa para ficar com eles e atendê-los principalmente em tudo, já que a comida já deixava preparada, e o mais importante eram as crianças, era uma senhora idosa e muito boa, porém, não deu certo, porque meu marido como já falei não colaborava nada e ainda atrapalhava o andamento do serviço dela, se recolhia roupas do varal e dobrava, ele atirava tudo ao chão, se preparava mamadeira, suco ou algo para as crianças, ele também discorria tudo pia abaixo, sem contar que minha pia ficava próxima à porta da cozinha, aí ele extrapolava ao bater a porta na trazeira dela, foi indo, foi indo, ela pediu demissão, disse que tinha ficado abalada e não tinha idade pra passar por esta situação, o que ela tinha toda razão, fiquei por uns bons meses pagando remédio para ela, posto que a sobrinha dela disse que ela tinha ficado com estresse pelo fato de ter trabalhado lá, assim, surgiu a idéia de alugarmos uma casa grande e todos irmos morar juntos, com o trato de que colocaria as crianças na escolinha e que somente minha mãe tomaria conta, caso eles tivessem que afastar por qualquer motivo dela, e assim foi, a casa era grande tinha três dormitórios, sala ampla, cozinha também bastante espaçosa , dois banheiros e ainda um quarto nos fundos, quintal para uns três carros, enfim a casa era muito boa e o aluguel bastante razoável, mas, não sabíamos que alí dava enchentes e, foi devido a canalização do córrego que cortava a Av Inajar de Souza, bom, já expliquei o porquê fomos parar nesta casa, eu já morava de aluguel num bairro mais acima, próximo ao Peri Alto, e minha mãe também só que em outra casa, morava ela e esse meu irmão mais velho, pois, já estava separado da sua família, e, na época ele trabalhava na Porto Seguro.
Nesse tempo meu irmão caçula, estava procurando uma casa maior para alugar, assim, ele ficou com a casa que eu desocupara, mudamos no começo do ano de 94 para a outra casa, foi saindo minha mudança e entrando a do meu irmão, porém, não foi nada fácil, na convivência, ficamos mais expostos, e meu irmão quando bebia um pouco mais, ficava implicando com meu marido por qualquer coisa, achava que ele fazia corpo mole, que não trabalhava mais porque não queria e que deveria se esforçar mais, assim, vocês sabem, não seria possível cobrar mais nada do que ele podia fazer, pois, as vezes nem trabalho ele tinha, só não comentava pra não me aborrecer, quantas vezes liguei para as firmas e de lá ouvi a pessoa dizer que ele havia sido demitido do trabalho, e, era justamente por causa das crises, as vezes ele tinha só a crise do apagão, mas, como compreender alguém que entra no trabalho e repentinamente, sem mais e sem menos, levanta do lugar e vai embora sem dizer nada? Ou que abre a correspondia alheia em meio a uma crise de apagão de memória ou ainda, que cai e se debate por alguns minutos, deixando todos apavorados? Lembro que na época havia um bureau em Santana, de serviços de informática, próximo ao terminal, e que era um colega meu, também digitador que tomava conta, assim, combinei com ele para que deixasse eu treinar meu marido como aprendiz de digitação, pensando que assim, ele estaria mais tranquilo, ficaria ali trabalhando e ninguém para aborrecê-lo, aprenderia e podia trabalhar lá mesmo, já que sempre tinha trabalho, assim fizemos, eu saia do meu trabalho e já ia direto para lá e ficava com ele uma ou duas horas ensinando e também digitando para ajudar meu amigo, mas qual o quê, um belo dia ele teve a crise e já ía lançando a máquina ecodata ao chão, se eu não corro, o equipamento teria se espatifado, segurei a máquina e ele foi em direção a CPU do ecodata, tem uma porta ele abriu e quiz entrar dentro da CPU, como é um rolo de fitas e vendo que não conseguia, voltou e começou a apagar as luzes, repentinamente saiu em disparada para fora, pedi desculpas ao meu amigo e saí atrás dele, porém não consegui alcançá-lo, ele tinha uma velocidade e força quando estava em crise que não dava para segurá-lo de jeito nenhum!... É, mais uma vez confirmou-se o quanto ele era prejudicado, mas tentei. À vista disso falei em casa, que não era culpa dele, realmente tinha um problema muito sério, era para eles terem paciência com ele, posto que tinha boa vontade, mas o caso não era este, o caso é que ele não tinha controle sobre as crises, mesmo tomando medicamento ele perdia o controle totalmente da situação. Após a segunda enchente, ele não quiz mais ficar naquela casa, disse ao meu irmão que saísse da outra casa que ele voltaria para lá, pois, não queria morar mais aonde estávamos, assim procedeu, meu irmão caçula guardou os móveis dele nesta casa da Trav Arouca e ele juntou todos nossos móveis e foi para a antiga casa, porém, minha cunhada não queria morar lá, assim, só guardaram os móveis e eles foram para a casa da mãe dela, que ficava na zona leste, só levaram as roupas, a mobília deixaram lá, assim, quando veio a terceira enchente, perdeu-se toda mobília da mamãe e do meu irmão caçula, além de roupas da minha mãe, minha e dos meus filhos, o qual, havia deixado tudo lá, levara apenas algumas peças para a outra casa, visto que os meninos ainda estavam matriculados na escolinha de lá e eu passava para deixá-los lá, assim não levei as roupas, porém, ali deles foi tudo perdido, a gente encostava em um móvel e ele desabava como se fosse feito de areia, perdeu-se tudo, televisão, geladeira, máquina de lavar roupas, fogão, sofás, camas, enfim tudo, tudo foi para o lixo, além das roupas e toda alimentação, até documentos foram perdidos, assim, como explicar para minha mãe agora que ela perdeu tudo, estava internada, não estava nada bem seu estado de saúde e agora o que fazer? Quando isto tudo aconteceu, sentei na beira da calçada após as águas terem baixado e fiquei olhando como se fosse um vazio, fiquei olhando, nós e a vizinhança despejar nas calçadas todos nossos bens perdidos e olhava para o céu e lá estavam os helicópteros sobrevoando sob nossa completa e total desilusão, não sabíamos nem o que fazer neste momento e nem como fazer? Fazer o quê? Era um vazio só, e uma tristeza danada, quando meu irmão caçula chegou com minha cunhada e sua irmã para ver que nada havia restado deles, tudo fora embora, fora justamente por nossa causa, se eles tivessem ficado na casinha, nada teriam perdido, senti-me responsável pela situação, porém vejam, anos mais tarde, Deus deu-me a condição de restituir-lhes os móveis, assim, ainda que de forma involuntária alguém possa ter sofrido prejuízos por nossa causa, é certo que Deus nos dará meios para que possamos de alguma forma reparar, e restituir aquilo que se perdeu. Voltando, à antiga casa, quando mamãe deixou o hospital, foi morar comigo na casa antiga, porém a convivência era difícil, meu marido estava muito perturbado com toda a situação, e passou a maltratar ela e eu, sabendo que tínhamos pressão alta, ele adicionava mais sal ao arroz, resmungava de tudo, estava impossível mesmo, assim este meu irmão caçula, trouxe-nos em Itaquá, afim de comprar um lote e iniciar uma construção para eu e outra para minha mãe, restante desta história já esta na primeira edição, digo, que este ano foi difícil, é porque foi mesmo, eu costumava fazer o macarrão domingueiro e ao mesmo tempo assistir as corridas da fórmula um, todos éramos fãs do Ayrton Senna, e naquele domingo de 1. de Maio de 1994, chorei à beça, não queria crer e nem aceitar a morte do Ayrton, lembro que por diversas vezes quando o locutor parecia dar uma esperança eu entrava no banheiro, único local que a gente fica isolado mesmo, e me punha a rezar para que tudo fosse um engano e para que desde que estavam socorrendo ele, que haveria ainda alguma esperança e pedia a Deus para ajudá-lo, para salvá-lo, nossa, foi o domingo mais triste da minha vida, acho que da vida de todos os brasileiros, estávamos tão acostumados com suas vitórias, com a música da vitória que mal podíamos acreditar que tudo tinha se acabado, e na segunda-feira, então, quem é que disse que eu consegui chegar ao serviço, fui levar as crianças à escolinha, lembro-me que perambulei pelas ruas e não conseguia sequer me dirigir para o trabalho, na verdade os dias seguintes não foram diferentes e nem sequer queria saber de buscar ajuda médica, não estava bem, mas quem estava? Foi difícil demais vencer aqueles dias, era uma perda imensurável, gigantesca, parecia deixar-nos órfãos de um super herói, doeu, ah como doeu, e não era só eu não, via que estava doendo no rosto de todas as pessoas, a nação ficou de fato muito triste, ele merecia uma homenagem à parte, pois, marcou e marcou profundamente nossos corações, as vezes me sentia mãe dele também, posto, que nasceu no mesmo ano que meu irmão caçula nasceu, e, eu me sentia mãe dele também!.... Ah que lacuna tão grande deixaste, que falta faz até hoje para todos nós!....
Isto é de fato Saudades!.... Jamais esqueço também o que estava fazendo naquele dia, na verdade, o macarrão desandou, nem lembro mesmo de haver almoçado, como? Não dava, não engolia nada, não entendia nada, não aceitava nada, só o vazio e a tristeza estava no ar, ficamos todos órfãos do nosso super herói!.... Ainda este ano, aconteceu uma tragédia na família de meu marido, justamente, no dia 1. de maio de 94, um sobrinho de meu marido sofreu um grave acidente de carro na baixada santista, ele foi socorrido, ficou até o dia 23 de maio hospitalizado, porém, não resistindo aos ferimentos, veio a falecer, minha cunhada carrega esta dor até hoje, seu único filho homem, ela ainda tem a menina e os dois netos, filhos dela, mas, oro muito para que Deus cure as feridas do coração dela!.... Estão vendo, realmente foi um ano difícil para muita gente, ainda que a seleção ganhou o campeonato, porém nada disso, serviu sequer para amenizar a dor deste ano tão sofrido!... Se tivesse a capacidade de voltar o tempo, fazer voltar o relógio do tempo, escreveria 1994 de uma forma totalmente diferente, com vitórias e somente vitórias, porém, isto não está ao nosso alcance! Uma vez alguém escreveu: - "Se Deus suavizasse cada golpe, você nunca aprenderia.", ou ainda; "Através a dor pude a fé compreender."; "Não envenene seu futuro com a dor do passado.", e assim vai, quando escrevo aqui, não quer dizer que tudo que passei é senhor da minha vida atualmente, não, não é isso, mas, como em história, é apenas o registro dos rastros, das pegadas de uma existência e de todas as dificuldades para enfim compreender a luz, a fé e o amor ilimitado de Deus!... É como os versos pegadas na areia, as vezes é Deus quem está realmente nos carregando no colo, justamente quando passamos por situações adversas e tão difíceis de viver, e após passar tudo isto, a gente percorre os olhos e vê o quanto Ele esteve ali, lado a lado conosco, guiando, velando, ensinando, protegendo e principalmente nos amando, posto que o seu amor é ilimitado!...