Uma noite escura - Trecho

Sempre que me lembro daquela noite, penso em como as coisas teriam sido diferentes se não houvesse tanto sentimento envolvido. Eu tinha um relacionamento explosivo com minha mãe, apático com meu pai e com quem eu mais poderia me abrir, minha irmã, mantinha certa distância, talvez por medida de segurança.

Fazia frio, mas me lembro de suar. Aliás, não me lembro de nenhum momento em minha vida, seja ele bom ou ruim em que eu não suava. Assim costumavam a ser as noites em Santo Aleixo, distrito de Magé, a divisa da baixada com a região serrana do Rio de Janeiro. Depois de um dia inteiro de muito sol e calor, esfriava quase a ponto de parecer em outro lugar. Quando não chovia.

A natureza naquele lugar parece mais certa de si, bem diferente do que se passava em minha mente, que por uma questão de atualização, nunca fora lúcida. Sempre me senti confuso em várias circunstâncias tanto diferentes quanto em graus distintos de dificuldade e importância. Nunca tive plena certeza de nada e, quando aparentava confiança, me apegava a isso com todo afinco, pois, sabia que levaria muito tempo até senti-lo novamente.

Olhando para a mata e ouvindo o som do rio, além dos animais noturnos que faziam muito barulho, pensava no porquê de ser tudo tão difícil e complicado. Se pudesse simplificar, o faria, mas sempre sabendo que voltaria atrás várias e várias vezes. A pedra que me servia de acento ainda estava quente do calor do dia. Gostaria que ela pudesse me falar um pouco sobre os outros que passaram por ali antes de mim. Sinto que todos tivessem suas dúvidas e talvez se soubesse como lidaram com elas, poderia estabelecer um padrão para imitá-lo. Sim, se pessoas podem ser tão parecidas quando confusas capazes de buscar o mesmo lugar de reflexão, talvez suas soluções também pudessem ser as mesmas ou pelo menos semelhantes.

Mas, naquele caso, não poderia usar a experiência de mais ninguém. Ou contaria com meus instintos ou com a lógica para esclarecer o que me perturbava. E, naquele momento, sentia que nenhuma das duas opções me traria um final feliz. Afinal, talvez eu nem soubesse o que é de fato um final feliz. Felicidade para mim, até então, significava acreditar piamente em deus e em seus propósitos para os humanos e a Terra. Fazer a vontade dele e desfrutar os benefícios de se viver já agora em um paraíso espiritual. Se isso não fosse um belo final feliz, então o que seria?

Justiça? Voltaria para viver meu sonho de músico e poeta? Sonho este interrompido pela devoção. Seria esse o caminho? Teria ao menos um caminho? Ao final de cada pergunta minha, uma retórica para o universo, sentia que ficava ainda mais frio. O farfalhar dos pássaros noturnos começou a me perturbar profundamente. A natureza agora já não parecia mais tão atraente. Era hostil. Não me sentia mais em casa como antes. Só pensava em voltar para cidade e estudar. Lembrei-me de como era feliz lendo sobre as experiências devassas de Henry Müller, em o “Trópico de câncer”. Não o encarava mais como devasso e sim como vivido. Refleti sobre como ele encarava e aproveitava a vida mesmo sendo pobre. Sem limites, sem barreiras impostas por ninguém. Como suas mulheres o amavam e como ele as possuía sem dó. Sempre com muito desejo. Em como ele pensava em conseguir sua próxima refeição. A imprevisibilidade me atraia naquele período da vida. Gostaria, mesmo que fosse por um curto período de tempo, viver daquele jeito. Sentir o cheiro do suor dos pecadores. Considerar só por um minuto, que talvez eles não fossem tão maus assim. E que talvez não houvesse um deus os vigiando e julgando suas ações. Pensei naquele momento em como a minha vida era curta e em como eu poderia está-la usando erradamente.

Não seria justo desperdiçar meu talento com uma organização que não conseguia me dar o valor necessário. Como um chefe injusto que não paga o que é devido a um bom funcionário, mas lamenta quando este decide ir embora. E, quando este vai trabalhar para outro empregador ou abre sua própria empresa percebe o quanto estava amarrado e inutilizado. Sente o sabor da liberdade e da recompensa e lamenta não ter tentado antes.

Por isso decidi não abrir mão dos meus sonhos, sejam eles ridículos ou não. Acho que é isso que acontece com todos quando ficam adultos. Eles passam a se importar menos com o que os outros pensam deles mesmos. Eles até ouvem as críticas, porém ignoram. Vivem o momento. Existem muitos adultos que ainda não atingiram esse grau de maturidade, por que é realmente muito difícil. Ou, talvez nem seja tão difícil, só esteja fora dos padrões da nossa sociedade. Sempre estive fora dos padrões, não lamentarei isso agora. Justo agora.

Prima
Enviado por Prima em 09/02/2011
Código do texto: T2780539
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