Precisa-se de ouvidos

Lá estava eu na longa e lenta fila do caixa no supermercado. Uma última olhada na lista de compras e no carrinho para ver se tudo estava ali, quando uma mulher, aparentemente da minha idade, perguntou o preço de um dos produtos da minha compra. Ao saber, demonstrou interesse de comprá-lo também, mas logo ficou desanimada, pois ele se encontrava numa seção longe dali. Passei um dos meus para ela e isto foi o suficiente para que eu ganhasse sua simpatia e confiança, a ponto dela começar a me contar sobre sua vida.

Falou de uma situação complicada que vinha tomando proporções cada vez maiores. Foram cerca de quinze minutos de conversa. Na verdade, um monólogo porque havia naquela moça uma necessidade enorme de falar e falar, como se isso pudesse remediar a sua dor. Ela precisava dividir seu sofrimento com alguém, mesmo que fosse com uma estranha e num ambiente nada propício.

Quando paguei por minhas compras e me aproximei para despedir-me dela, fiquei emocionada com as calorosas palavras de gratidão que ouvi. O abraço e a frase “você não tem ideia do quanto me ajudou” me deixaram ainda mais surpresa. Eu não havia feito nada a não ser dar-lhe atenção e algumas poucas palavras de ânimo.

Fui para casa pensando no quanto há pessoas confusas, perdidas, angustiadas, que precisam tanto desabafar, externar seus conflitos. Algumas o fazem na escrita, seja em versos ou em prosa, mas outras tantas precisam falar. E nem sempre é fácil encontrar quem as queira ouvir. Talvez por isso tem crescido o número de pessoas que pagam para ser ouvidas.

Por que é tão difícil “doar” nossos ouvidos? Alguns podem dizer que é por falta de tempo, ou que saber ouvir é um dom que nem todos possuem. Entendo esses argumentos, mas penso que podemos nos esforçar e exercitar esse lado humano. Podemos começar, por exemplo, permitindo que o outro se expresse sem interrompê-lo. É interessante também ignorar outros fatos paralelos quando estamos ouvindo, ou seja, concentrarmos nossa atenção (e isto inclui o olhar, a expressão corporal, o tom de voz) no outro, demonstrando um interesse verdadeiro no que ele fala. Nem é preciso lembrar da importância em controlarmos nosso humor quando o que o outro diz nos parece imaturo, exagerado, ou diferente do nosso ponto de vista. Por fim, escutar nas “entrelinhas”, procurando o sentido oculto de certas expressões, pode nos ajudar a entender melhor quem está precisando de nossa ajuda.

Sem dúvida, ouvir é algo que demanda paciência, esforço, mas certamente recompensados pela boa sensação de ter contribuído para que alguém se sentisse melhor. Isto nos torna mais sensíveis ao sofrimento alheio e até mais sábios porque muito podemos aprender com os reveses da vida.

Crisálida (Ângela Mendes)
Enviado por Crisálida (Ângela Mendes) em 09/02/2011
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