A PORTA AINDA ESTÁ FECHADA.

Olho a porta ainda fechada, raras vezes ficava totalmente aberta, era para impedir a entrada dos animais; tenho vários bichinhos em casa, essa coisa magnífica de estar rodeada de boa energia que só os animais são capazes de nos proporcionar incondicionalmente. No preguinho bem no meiozinho da porta, está o CD customizado pela Dudinha na escolinha, especialmente para a vovó bisa e junto, bem juntinho, a estrelinha de cartolina coberta com papel acetinado na cor vermelha, que não fora feita para a vovó bisa e sim é a própria, segundo Maria Eduarda, que repete sempre aos meus ouvidos que a bisa virou uma estrelinha... Como magia, sempre que olho na direção do quarto (isso acontece todos os dias), o meu olhar trespassa a porta de madeira escura e lá está como sempre esteve, a cama, muito limpa e arrumadinha (quando falo das coisas que amo uso sempre o grau diminutivo), o Guarda roupas, presente da netinha Silvia Letícia, a pequena cômoda de cabeceira, forradinha com uma toalha rosa e em cima alguns de seus pertences pessoais e a foto da filha Sarinha com o pai no dia do seu casamento. Posso ver a sua aura singela e pura flutuando levemente como uma pena, de um lado para o outro... Ultimamente, a foto da minha irmã Sara com papai, no dia do seu casamento, era muito apreciada por ela e o foco dos seus olhinhos era para o meu pai, quando flagrada, dizia: “estou com muitas saudades dele” e continuava olhando como a dizer: “logo estarei contigo”. Ficava em sua cadeira de estimação (dobrável e confortável) horas a fio e onde ninguém tinha a permissão de se sentar, o local preferido era no quarto, bem embaixo do ventilador de teto, ou ora na varanda com os pezinhos no murinho, tricotando sapatinhos de Bebês para presentear as futuras mamães que encontrava sempre em qualquer lugar que estivesse, fosse da família ou não, era o seu passatempo favorito. Lia todas as noites (e sem óculos), o pequeno Novo Testamento, aquele com letrinhas minúsculas, e eu me perguntava: será que enxergava mesmo? Ela sempre me provava lendo-me um versículo, verazmente ela enxergava aquelas letrinhas minúsculas... Na sua simplicidade (apenas aprendeu a ler, escrever e fazer as principais continhas), sempre tinha palavras sábias para animar alguém que estivesse com problemas ou triste, com seu jeitinho mineiro dizia: “Tutemjeito” (tudo tem jeito), ajudava a todos da maneira como podia, seu sangue só podia ser azul, tamanha era a sua nobreza, gostava de fazer um bom cafezinho, um bom macarrão e ser elogiada por isto. Sempre, quando tínhamos algo a resolver, costumávamos dizer: “pergunte à Filósofa Isolina” ou “já dizia a Filósofa Isolina”, brincávamos com a sabedoria empírica que lhe era peculiar. Amava viajar, visitando filhos, netos, netas, bisnetos, bisnetas, sobrinhos, sobrinhas, irmãos e irmãs distantes. Era impaciente e preocupava-se com os horários de todos, como se fosse para ter algo a fazer e sentir-se útil, afinal, os anos pesam (ela tinha 84) e com a capacidade laborativa diminuída, o sentimento de impotência cruel e impiedoso era uma presença constante... Mamãe era e com certeza ainda é: um anjo.

Ela nos amava muito e nós a ela. Preservo-me o direito de furtar à idéia de que ela queria nos deixar... Pegou-nos de surpresa a sua partida eterna. Mamãe era a luz que nos guiava e apagou-se...

S a u d a d e s!

Naarinha.

Narinha Lee
Enviado por Narinha Lee em 07/02/2011
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