Salve o apagão
           nordestino!



     Com o MSN ativado.
     E com sua providencial ajuda, conversava animadamente com uma dileta amiga. Quando, de repente, não mais do que de repente, faltou luz. E o meu Notebook emudeceu...
     Fiquei no mais absoluto e inexplicável escuro. E o mais preocupante: sem saber quem havia desligado "a tomada", provocando aquele inoportuno e crucial apagão.
     Passaram-se alguns minutos. E como a luz não voltava, fui pra minha varanda, tropeçando na inexplicável e complicada escuridão.
     Diabo! O diálogo com minha querida amiga fora interrompido, violentamente, pelo safado do apagão, que chegara de supetão; falei isso não sei pra quem.
     E ainda acrescentei: não me foi possível desejar-lhe, como faço sempre, um bom sono...com um ousado pedido: sonhe comigo!
     Mas, afinal, o que de tão grave teria acontecido, capaz de escurecer o mundo? Sim, porque chegando na minha varanda, surpreendi Salvador, cidade de brilho incandescente, mergulhada numa sepulcral escuridão.
     Por que sepulcral? Porque as silhuetas dos edifícios que cercam o meu prédio mais pareciam mausoléus de velhos cemitérios sem iluminação.
     Telefonei para alguns amigos. Nenhum soube dizer o que, de fato, tinha acontecido com a luz das casas e das ruas. Ninguém tinha uma explicação para o traiçoeiro blecaute.
     Deixei pra lá, e acendi uma vela.
     Não foi fácil encontrá-la. Imagine você, meu caro amigo, ter que descobri-la, enfrentando uma escuridão só comparada  ou parecida com a de um túnel sem saída.
     Finalmente, em uma das dezenas de gavetas que tenho em casa, fui achá-la. Lá estava ela esperando o momento de ser sacrificada. Coitadinha das velas!
     Mas, por incrível que possa parecer, velas queimando trazem-me remotas recordações. Vi muitas velhinhas ardendo, morrendo lentamente, nos altares que, como seminarista franciscano, andei me ajoelhando! Ah! Já faz muito tempo!
     No dia seguinte, logo cedo, liguei a televisão. Foi quando ouvi que o blecaute decorrera de uma clamorosa falha que atingira, sem dó nem piedade, a rede de fornecimento de energia elétrica brasileira.
     E que, não só a Bahia, mas todos os estados nordestinos haviam padecido, com a falta da luz; inclusive o Ceará.
     A notícia me tranquilizou: minha amiga, também vítima do apagão, jamais poderia pensar que meu Notebook a havia abandonado, sem se despedir...
     O apagão, entretanto, me levou às estrelas...
     E a recitar esta quadrinha que decorei, lendo Belezas e Maravilhas do Céu, do inigualável Malba Tahan: "Fitar teus olhos, menina,/ É descobrir, num momento,/ A origem dessas estrelas/ Que brilham no firmamento."
     Com a cidade literalmente às escuras, o céu de Salvador aparecia exuberante. Sem uma nuvem sequer a importuná-lo, fiquei, horas a fio, admirando a Via Láctea que, "como um pálio! - Bilac -, se esparramava, imponente, sobre a Pituba.
     Lá pras tantas, descobri o Sete-estrelo e o Cruzeiro do Sul, com a mesma nitidez com que os via nas noites escuras do alto sertão  do meu Ceará, eu menino, doido pelas estrelas  ... de verdade.
     Já era mais de meia-noite, quando descobri as Três Marias - Mintaka, Alnilan e Alnitaka -, e me pus a recordar as marias... que quero bem...
     Descobri as Três Marias, mas não as apontei. Não queria que meus dedos se enchessem de verrugas. Sabia que essa estória não passava de uma ingênua mentira, mas não me arrisquei.
     Vê-las, foi o bastante, em noite de apagão (salve!), que escureceu o nordeste.
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 07/02/2011
Reeditado em 11/12/2020
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