A Noiva
Abraçado aqui ao meu leito de morte, contento-me com o tanto que vivi e despeço-me das faltas que cometi, percebendo que todas valeram apena – menos as que não cometi.
Já por saber que não mais despertaria do sono desta manhã, pego um copo e despejo nele meu último gole de água-ardente que encontro embaixo de minha cama e sei que não sentirei falta do alivio sublime que isto me proporcionou durante anos, pois não encontro meu consolo, ante todas as manhãs de sábado, naquele copo já amarelado pelo tempo e pela dor. Porém, sei que falta me fará os sentidos quando eu partir e talvez a manhã encontre um modo de prender-me a ela por mais um dia sequer. É por isso que escrevo isto, para que se cumpra em mim a vontade da minha vida em seu último delírio poético de sentimentos que ensinaram-me o pouco do que é viver, mesmo eu já tenha esquecido-me disso.
Fecham-se meus olhos e sinto que não mais os verei viver pelos espelhos de minha casa. Meu coração bate ao ritmo que o sol nasce, sabendo que a paixão em fuga o encontrará antes que o céu clareie. E como um bom sonhador ele bateu, insistentemente, pedindo socorro que não concedi e não concedo nem em meu leito que agora fede a urina e desgosto.
Minha morte foi assim: esperava que um alazão branco levasse minha alma até o céu, ou que os demônios arrastassem-me pelos cabelos e levassem-me para um inferno maior do que a vida me foi, porém nada sucumbia-me a dor da morte que ardia em minhas veias como veneno de escorpião.
Mas ao longe, vinha ela, tomada de luz e paz como sempre sonhei que estivesse. Formou-se em minha última visão, o altar que desejei viver com aquela desconhecida por toda uma vida que me foi vã. - Eu vivi pela primeira vez.
Aproximou-se ela, tão perto de minha alma, que podia tocá-la, senti-la e ouvir-la dizendo-me palavras doces ao ouvido.
Ah, era a noiva mais linda que já vi!
Ela então segurou-me as mãos e beijou-me, eternamente.