CAIS LUSITANO
Espalho os sonhos na mala. Muitos ainda estão embrulhados, outros, marcados de tempo, encontram-se amassados nos cabides das possibilidades. Fantasias são vestes que protegem do frio e emolduram a realidade do corpo. Excesso de bagagem. Há sonhos demais para apenas uma travessia. Desfaço-me dos mais antigos, dos que já não me cabem, dos cafonas, pueris, mofados... Lanço-me ao mar com a expectativa dos descobridores. A realização de ser navegante, a utopia de ser horizonte...
Sinto remexer os sedimentos arenosos e pelágicos, acomodados sobre a densa crosta oceânica, infiltrar-me no manto da terra até alcançar os continentes com a estrutura menos densa e me eternizar em rochas graníticas. Tal qual o termo utilizado na geologia, entrego-me ao movimento isostático, anseio flutuações, rupturas e o merecido equilíbrio. Durante alguns dias, adormecerei encasulada no manto inexplorado para depois ser expelida como lava, vinho, inspiração... Despertarei de repente sem saber onde estou, com a virginal sensação de renascimento.
Esqueço meu nome e minha imagem para ser apenas o mistério de uma sombra que flutua em busca do reencontro dos continentes, que se lança nas falésias das contingências e aplana num vinhedo entrecortado de rios em plena colheita. Liberto os devaneios e deixo que eles soprem o rumo. Na bagagem, guardo a lembrança dos inesquecíveis versos dos poetas lusitanos, da prosa de tantas partidas e do som da viola portuguesa num plangente fado.
Já sinto a saudade salgar os olhos. Quase Lisboa...