Interfaces
Vai o homem caminhando pela rua. Vestido em roupas de grife, perfumado, todo cheio de si. É essa de fato uma imagem invejada por muitos. A felicidade não está em nossos olhos do mesmo jeito que está nos dos outros. Se passam anos, e estuda-se muito, com afinco. Tudo pra ser doutor, e num é que se consegue? Mas pense caro amigo, qual a fortuna de um homem além de seu conhecimento. Muitos dirão que não há, outros lhe dirão uma lista bem grande, que não cabe mesmo em um par de quilômetros. É certo que dinheiro e conhecimento são dois companheiros muito poderosos, eles trazem ao menos duas certezas na vida, uma é a do conforto, e a outra a do respeito, ou medo. Mas isso pra quem é o privilegiado não faz lá muita diferença. E lá vai o jovem, seu notebook cheio de textos, tais quais escritos por um par de monstros, daqueles teóricos que andam por aí a ensinar pelo pensar e pelo fazer. Estudam ganham o mundo. Isso tudo demonstra ser uma vida encantadora. Cheia de altos, pouquíssimos baixos, raros mesmo. E quem se põe então a essa vida, muda, se já não nasceu mudado. É tudo uma questão de idéias. Pensando eu estava, ao passo que andava na condição acima citada, em coisas triviais da vida. Em nenhum momento deixei de me sentir orgulhoso de meu status, que aliás, penso só achar que tenho. Em passos largos, alcancei a minha frente, a uns poucos passos de distância, um homem, muito simples, andava com pesar, os pés cinzentos, uma sandália de dedo, e a camisa bem encardida. Pensei comigo, pobre homem, que deve ele ter conhecido da vida. E páaaaaaaaaaaa, de repente, o cheiro do coentro que ele carregava na bacia em sua cabeça invadiu meu nariz, a cor de baunilha do céu de fim de tarde inundou meus olhos, e aí percebi, que eu estava me tornando um ignorante. Imagine nós, seres humanos como um complexo aglomerado de trilhões de átomos, e vem aquele cheiro, feito basicamente de um ou outro elemento químico, e ioniza com você. Te faz ver que a vida é uma questão de toque, que o conhecimento, e toda essa parafernalha de dinheiro, de status, isso transcende a vida, mas não ascende, isso não. Essa coisa toda nos leva pra longe do que somos, nos tira aquele prazer gratuito, de sorrir alegremente com o Sol das 7 da manhã sobre a pele, com o perfume das folhas de erva doce, os pingos da chuva de verão. E que mundo inteligente é esse que na ânsia de primeiro complicar para depois explanar, esquece de tocar o trivial, o simples? Está aqui, em minha frente, e espero que na sua, esse mundo maravilhoso, cheio de cores, cheiros, sabores e temperaturas. Tudo tão orquestrado, um monte de sem razão, sem coesão, mas que se une tão bem sem precisar de nenhuma explicação. E agora, refletindo, a palavra chave é apreciação, e nem sei se essa palavra existe, ou se é um neologismo, mas de fato, é uma questão de aproveitar o que vem até nós. E agora, qual a riqueza maior do homem? Ele mesmo, sua capacidade de interagir com o mundo, com a natureza, bem como o computador que tem multiplas interfaces de rede, devemos nós nos utilizar de todos os sentidos. O conhecimento, como dito por todos, nos causam dores infindáveis, mas o toque, o cheiro, a visão...
Helio Pereira