Credo

Vê-se em todos e para todos os lados. Um semblante compungido. Eu me sentindo o pior dos homens, dentro dessa humanidade. Credo. Credo em cruz. Depois que se apronta algo, tipo até desarranjo intestinal, sentindo-se ruim pelo fato, o “homem” lá em cima leva as graças da desgraça, porque ele interfere nesse homem ou mulher, nesse exato momento, que diz, contra tudo e todos, que ele rezou e se penitenciou e, com isso, conseguiu sair depois de um flagrante, bem flagrado mesmo, compactuando com o chefe das drogas de determinado morro. Que tem, entre seus correligionários, os que compram. E nesse caso, não é só no morro não, que tem olheiros, fungueiros (*), atravessadores, comerciantes, envolvidos, bem, já cansei de enumerar. Mas o “homem” lá em cima, pode ser do lado, qualquer um deles e para baixo, porque baixo mesmo é o comércio. Mas voltemos ao que interessa, realmente, nesse credo. Creio em deus pai, filho e espírito santo. Bem, por aí vai toda a gama de maldades, crueldades e até para cima de si mesmo. Eu avisei, alertei, logo acima, o convívio com o representante do “mal” ou “mau”. Amigo de infância, curtindo as festinhas, os “rega-bofes” de montão e tudo o mais que pode garantir nisso, um minuto de alegria.

Baixou a baixaria. Quem?! A polícia, menino, através de um anônimo, ou anônima, que não gosta desse tipo de festa. Vai todo mundo em cana, fora os que fugiram. Evidente. E depois, deus é pai, com ele eu vou voltar a ser um bom cidadão, apesar de todos esses que acham que não. Fiquei culpado do erro alheio, excluído do mesmo pai que o protege depois que aprontou. Eu não tenho nada a ver com isso, levo a culpa. Passei a ser o culpado pelo fato de não professar a mesma fé. A fé no pó, a fé no esculacho próprio e a fé que diz, no credo, rezando, que ele nos protege, mesmo depois que façamos tudo o que nos dá, e não é só na veneta.

Entendeu?! Muito bem, apronte mesmo. Consigo e com os outros. Depois, compungido, descontraído com o olhar brilhante depois de horas, contritas, em oração, que tudo estará bem. Porque você se sente bem, saindo, nesse exato momento, da cadeia, no qual foi premiado com excelentes companhias. Que rezam, também. Muito. Para evitar matar o outro, logo ao lado, cuja cadeia está cheia, porque o mesmo não faz igual. Igual já fez, curtindo o pó, do qual a ele voltaremos, encontraremos o “homem” do outro lado esperando e nos perdoando.

Cabe uma pergunta, que não quer calar se quem o faz tem língua. Ferina. Se é assim, fizer e depois pedir perdão, não é melhor pedir perdão antes, lembrando que não é boa a atitude que está pensando? Fica com sobra, com folga de orações. E assim, se for possível e ele estiver disponível, sabe o “homem”, afinal são um pouco mais de seis bilhões de vidas, viventes desse lado e outros tantos – dizem os entendidos que são dez para um já imaginou!? – e todos aprontando, uns contra outros, ou uns com outros, contra todos os outros. E todos nós, rezando, implorando e dizendo, olha só, senhor, eles é que são os inimigos. E apontam para mim. Afinal, eu rezo também. Será que ele á parcial? E o fato de rezar precisa ser dito para todos os outros? Credo em cruz. Valha-me, senhor, “homem”, somente atenda a mim. Eu sou especial. A festinha que fui não tinha menores. Não tinha mau ou mal elementos. Sabe, foi só uma festinha. E deixei o meu dinheiro com ele, dois pacotinhos somente. Bem, fora a tinta, fora a caninha, fora os outros destilados. Tive que dar uma força para a menina, primeira vez, sabe como é, estava tímida e virgem. Uma pena, para ela. Ótimo para mim. Credo em cruz, quando se desabafa, é um horror. Para quem o faz e quem escuta. Na televisão, deixo ver, eu fiquei bem, fotografei legal. Será que os meus fãs acreditaram? Bem, acho que sim. Aumentei as minhas vendas de disco, cd e a imagem até que caiu bem. A minha mãe adorou. Diz que ela rezou também, depois que eu caí. Mas foi por pouco tempo, ainda bem. Eu tenho dinheiro, paguei uma grana e saí de lá. Muita gente. Excesso de lotação na cadeia. Não é, verdadeiramente, um espaço para mim. Sou famoso. Posso e aconteço. E ele, o “homem” foi e está sempre esperando por meus pedidos. O resto, vocês que me ouvem, incluindo você, jornalista, que contribuiu com tudo isso, é “os outros”. Não importa em que espaço. O meu está garantido. Minha oração é a mais forte. Principalmente porque já fui perdoado. Não é assim que é? Estou amando. Credo, gente sem fé.

(*) fungueiros – fungar com bandoleiros. Ou fungar com fogueteiros (bêbados). Bem, vocês entenderam.

Cilas Medi
Enviado por Cilas Medi em 06/02/2011
Código do texto: T2775693
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