O Desencontro
Crônica em dois atos.
Primeiro Ato: O Homem
Pontualmente, como em todos os dias, ele entra na padaria. Enquanto se aproxima do balcão seus olhos ansiosos vasculham cada rosto para encontrá-la. Assim que se acomoda em um dos bancos do balcão, voilà! Sua atendente preferida salta diante de seus olhos com aquele lindo sorriso de sempre e diz:
- Olá, senhor Álvaro! Como vai?
Instantaneamente após a saudação o moço, com a altivez que seus mais-do-que-quarenta lhe permitiam, acolhe uma das mãos da jovem balconista entre as suas e a cumprimenta carinhosamente.
- Olá, Simone! Vou muito bem, obrigado, mas quantas vezes terei que insistir? “Senhor” é aquele moço lá no céu! (tô perdido mesmo...) Por favor, apenas Álvaro. – e solta aquela risada marota, prontamente correspondida pela moça.
– Pelo que vejo você está ótima (e linda de morrer) como sempre! – completa o rapaz.
- Tudo bem sim, “Álvaro”. – responde ela recitando molengamente seu nome enquanto se debruça no balcão e se aproxima – em que posso lhe ser útil hoje?
- Adivinha?! (hum... esse perfume...que tal um beijo?... isso sim seria muito útil!).
Rapidamente os dois se olham e:
- Me vê aquele café! – dizem os dois ao mesmo tempo.
- Pois não, só um minutinho! – diz a moça.
- Ah! E não se esqueça de depois de vê-lo, me trazer uma xícara cheia dele, heim! (mas que piada idiota!) – Álvaro ri e deixa entrever um sorriso amarelo.
Simone se afasta para atender ao pedido de seu cliente. “Que doce de moça!”, pensa Álvaro com seus botões, ao tempo em que pensamentos cotidianos invadem sua mente e o fazem cair no amargo da vida real enquanto espera por seu pedido, o que só é interrompido com a voz de Simone:
- Está aqui seu café, Álvaro.
- Ah! Obrigado, meu anjo! Muito obrigado mesmo.
- Precisa de mais alguma coisa?
- Não, (só de você, um quarto, um canto qualquer que seja, uma noite...) obrigado. Vou seguir a tradição e ficar só com o café (mas, um dia, fico é com você).
- Álvaro, você me dá licença, hoje o movimento está grande e vai ser difícil da gente conversar como de costume.
- Fique á vontade!
Durante o tempo em que o rapaz permanece na panificadora, não tira os olhos da atendente e por algumas vezes seus olhares se encontram, como que brincando de esconde-esconde. Ao terminar seu tradicional café, Álvaro chama Simone e se despede, envolvendo novamente a mão da moça entre as suas com muita delicadeza.
- Simone, minha flor...(ai meu Deus, falo ou não falo?) – o rapaz inspira ar para os pulmões - ...o café estava ótimo, e mesmo se não estivesse, o que é impossível, já teria valido à pena só pela sua companhia.
- Que é isso, Senh...digo, Álvaro! Conversar com você sempre me deixa muito feliz.
- Maravilha, que bom ouvir isso! (por que diabos não te encontro fora daqui?) Mas tenho que ir (você deve ser mais linda ainda sem esse uniforme). Nos veremos amanhã então, como sempre (droga...).
- Ótimo! Nos veremos amanhã, até lá – e deixa transparecer um sorriso amarelo.
Álvaro solta a mão de Simone, desalinha seu olhar com o dela e se dirige até a porta, de onde dá um último aceno de mão enquanto assiste a moça desaparecer por trás da parede e da distância que agora os separa. Enquanto caminha, puxa do bolso de seu paletó a carteira, da qual tira um guardanapo carinhosamente dobrado no qual se lê um número de telefone. “Um dia desses ainda ligo pra ela”, pensa consigo “Que mulher incrível! Mas o que ela iria querer comigo? Um velhaco desses... Uma pena”.
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Segundo Ato: A Mulher
Pontualmente, como em todos os dias, ela respira fundo e olha para o relógio. “Faltam dez minutos” pensa, e prontamente se dirige ao banheiro para retocar o visual. Logo que sai, seus olhos ansiosos vasculham cada rosto da panificadora. Assim que mira a porta o vê entrar. Assiste seu cliente preferido se acomodando em um dos bancos do balcão enquanto se aproxima sorrateiramente sorrindo e diz:
- Olá, senhor Álvaro! Como vai?
Instantaneamente após a saudação sente sua jovem mão ser acolhida entre as mãos altivas do moço, que com seus mais-do-que-quarenta de idade lhe trazem segurança e causam um calafrio estranho.
- Olá, Simone! Vou muito bem, obrigado, mas quantas vezes terei que insistir? “Senhor” é aquele moço lá no céu! Por favor, apenas Álvaro. – e solta aquela risada marota, prontamente correspondida pela moça. – Pelo que vejo você está ótima como sempre! – completa o rapaz.
- Tudo bem sim, “Álvaro”. – responde ela recitando molengamente o nome do moço enquanto se debruça no balcão e se aproxima – (isso... o perfume...) em que posso lhe ser útil hoje?
- Adivinha?!
Rapidamente os dois se olham e...:
- Me vê aquele café! – dizem os dois ao mesmo tempo.
- Pois não, só um minutinho! – diz a moça. (hunf, café! Será o Benedito que ele não vai se tocar?).
- Ah! E não se esqueça de depois de vê-lo, me trazer uma xícara cheia dele, heim! – Álvaro ri e deixa entrever um sorriso amarelo.
Simone se afasta para atender ao pedido de seu cliente. “Que piada idiota! Mas ele é tão gracinha... uma doçura de rapaz.”, pensa ela com seus botões. Vai até a máquina de expresso, faz o café pensando em mil coisas, se perde entre pensamentos cotidianos e fantasias de amor. Assim que o pedido fica pronto, retorna até Álvaro e diz:
- Está aqui seu café, Álvaro.
- Ah! Obrigado, meu anjo! Muito obrigado mesmo.
- Precisa de mais alguma coisa? (uma namorada, esposa, amante, que seja eu de preferência...).
- Não, obrigado. Vou seguir a tradição e ficar só com o café.
- Álvaro, (só o café, é?) você me dá licença, hoje o movimento está grande (um dia eu te ganho e você vai ver só!) e vai ser difícil da gente conversar como de costume.
- Fique á vontade!
Durante o tempo em que o rapaz permanece na panificadora, Simone não perde os pequenos intervalos entre um atendimento e outro para olhá-lo. Por algumas vezes seus olhares se encontram, como que brincando de esconde-esconde.
Simone estava concentrada terminando de servir um milk-shake quando ouve a seu nome ser chamado. Era Álvaro, ele queria se despedir. A moça achegou-se bem próximo do cliente que imediatamente apanhou sua mão e, novamente, a envolveu entre as suas com extrema delicadeza.
- Simone, minha flor...- dois segundos de silêncio, o rapaz inspira ar para os pulmões - ...o café estava ótimo, e mesmo se não estivesse, o que é impossível, já teria valido à pena só pela sua companhia.
- Que é isso, Senh...(ái!) digo, Álvaro! Conversar com você sempre me deixa muito feliz (mas você não dá bola pra mim e isso me deprime...).
- Maravilha, que bom ouvir isso! Mas tenho que ir. Nos veremos amanhã então, como sempre.
- Ótimo! Nos veremos amanhã, até lá (tsk, tsk, tsk...).
Álvaro solta a mão de Simone, desalinha seu olhar com o dela e se dirige até a porta enquanto ela fica detrás do balcão, assistindo ele desaparecer por trás dá parede. O último gesto do rapaz foi o início de um aceno de mão.
Voltando ao batente a moça pensa consigo: “Um dia desses ainda ligo pra ele... mas porque ele não me liga? Ele é tão meigo, mas tão lento! Pensando bem, o que ela iria querer comigo? Uma balconista de padaria vinte anos mais nova... Uma pena. Peraí, ele não pagou o café!”.