CARTA PARA O MEU MÉDICO .
“Caro amigo, creio que um dos meus maiores pecados foi me tornar seu amigo. Deveríamos ter fortalecido nosso relacionamento unicamente no campo profissional. Assim, você me receberia no seu consultório, prescreveria os exames normais e talvez, quem sabe e nunca se sabe , poderia exagerar muito menos nos diagnósticos , no receituário e principalmente nas proibições.
Mas não, de tanto rir das nossas piadas picantes acabamos ficando amigos e aí, em nome dessa amizade você passou a se preocupar comigo e me tratar como se eu fosse um bebê que tivesse cabelos prateados.
Tudo bem que ultimamente tenho feito o possível para preencher as vinte e cinco horas do meu dia , mas daí você ter o atrevimento de começar a proibir várias coisas, isso me deixou profundamente irritado.
Está certo que tenho dormido pouco mas o que isso tem a ver com minha pressão sanguínea ? O que isso tem a ver com um provável infarto ou um AVC ? Não ligo nada, nada pra isso e se quer saber, me sinto bem, estou com excelente disposição e o pior dos sintomas que tenho sentido é sede ou vontade de fazer xixi , quando fico preso naquele monstruoso engarrafamento acalentado por um calor infernal .
Você me fala para tomar cuidado com minha pressão mas esqueceu-se de que não me receitou nenhum remédio ? Nem um comprimidinho que seja ? E outra coisa, viu só que beleza estão os meus exames ? Tudo dentro dos limites toleráveis e você mesmo deixou escapar que se continuar com essa saúde devo passar dos cem anos.
Em primeiro lugar, pelas espetadelas que levei para tirar sangue (e eu detesto agulhas) meus exames só poderiam estar ótimos . Em segundo lugar , não quero chegar aos cem anos . Passando pela minha festa de aniversario dos setenta já estará maravilhoso .
Tenho a impressão de que você fica deslumbrado com o poder que tem de assustar as pessoas, multiplicando o tamanho dos sintomas e pintando quadros terríveis para as minúsculas doenças , comuns a qualquer ser humano.
Não vou fazer nada do que você recomendou. Vou continuar trabalhando muito , lendo muito, estudando , dormindo o necessário e escrevendo quando e o que tiver vontade de escrever.
Não vou entrar necessariamente nessa de “deixe a vida me levar” mas preocupações, aborrecimentos, contrariedades, por conta própria vou sempre expulsar do meu caminho, da minha vida. E de vez em quando, me dando uma louca, pego o carro, coloco na estrada e vou passear, sem destino e sem prazo para voltar .
De vez em quando você e eu tomamos uns chopinhos. E se te acompanho e nos almoços de domingo bebo uma ou duas latinhas a culpa é sua que me mandou tomar bastante liquido, mas jamais me explicou a que tipo de liquido se referia.
Se posso tomar um chopinho, comer doces quando tiver vontade e pelo que você pôde ver, meus índices de colesterol estão ótimos, vou me preocupar com o quê ? Faço caminhada, subo escadas, dirijo e só ainda não voltei a jogar futebol porque não apareceu uma oportunidade boa.
Não gosto de carne gordurosa e nem abuso das frituras portanto, porque vou pensar e me preocupar com derrames e infartos ? Aliás , já avisei a minha família que quando eu partir desta para a melhor, todos só deverão chorar nos primeiros quinze minutos e depois disso , quero que me conservem, se quiserem é claro, apenas como uma doce lembrança.
Minha vida está praticamente organizada, não devo deixar muitos problemas e dívidas e viúva, que eu saiba , só uma .
Portanto, pára com esse negocio de me proibir de fazer tudo o que mais gosto . Vou continuar lendo muito, trabalhando muito, estudando , vivendo vinte e cinco horas por dia e se quer saber, as dores que tenho sentido nos pulsos, não estou dando nenhuma importância.
Se não puder teclar , vou escrever à mão. Se não puder escrever à mão, vou usar meu gravador portátil. Mas o que quero dizer mesmo é que com tantas restrições que você me apresentou, com tantas proibições, com tantos “não podes” quer saber, como médico você está demitido da minha vida.
Calcule quanto devo e tenho que te indenizar, vista seu jaleco penteie o pouco cabelo que você ainda tem e vá assombrar noutra freguesia.
Entretanto, como continuamos amigos, na próxima sexta feira vou passar aí no seu consultório no final da tarde para tomarmos uns chopinhos e contarmos umas piadas picantes.....”
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