Valorização de sujeitos
Descrevendo a termo de comparações entre ofícios, sabendo-se que distintos, porém circundados de bens comuns, vê-se que enquanto a classe médica, corporativista, brada e esperneia pelo o que é seu de direito, nós, os demais profissionais da saúde, também formadores do vasto contingente bruto de trabalho, assistimos atônitos de braços cruzados. Meros espectadores é o que somos. Alçamos vôo baixo e fugimos pálidos da arena, do protagonismo. Não nos fizemos pertencer à massa, não queremos lugar ao sol. Não abrimos espaços, acomodados que somos. Não nos dispomos a enfrentamentos, e, infelizmente, até por não conhecer, ignoramos nossos direitos. Dificilmente tecemos redes, raramente construímos o coletivo.
Insta-se pela urgência de valorização das práticas, da igualdade, não da gratificação, mas de uma valorização pautada em resultados, em melhores condições de saúde do bem comum. Para isso urge a máxima dos investimentos: 1: no humano, ator social, ser pensante; na formação de sujeitos operadores; 2: no planejar a saúde; 3: no usuário, que carece o saber; 4: em recursos físicos, materiais; 5: unificar conceitos e setores, serviços.
Para ilustrar a premissa, percebe-se que, enquanto a medicina, unida, com discurso igualitário e único, peleja pelo ato médico, nós somos maneados do direito de pensar e exercer o que é digno por profissão. Ao passo que os demais profissionais de saúde perdem espaço de funcionalidade, submergindo decadentes ao desemprego ou subemprego, por “culpa” de escolas que titulam quantidades exarcebadas e pelo não abrimento de campo, os médicos escolhem onde, forma, salário, horário e condições as quais querem exercer suas funções. Enquanto os demais profissionais se submetem à salário fome, de miséria, os médicos recebem altas e muitas vezes incontáveis cifras de capital. Enquanto os médicos ostentam respeito perante a sociedade civilizada, os demais são vistos apenas como meros.
É um círculo temporal, histórico. Vive-se hoje réstias do passado e presente. Somos feridos pela submissão ao qual fomos/nos deixamos vítimas. Nos amordaçamos e agora está difícil nos soltar.
Inclui-se a todos, sem distinções. São enfermeiros, nutricionistas, farmacêuticos, psicólogos, fisioterapeutas, educadores físicos, assistentes sociais, dentistas. Estamos à mercê da deploração. Não que sejamos vítimas, longe disso, mas somos peças de um tabuleiro. Instalou-se a crise, perpetuada, tornou-se monstro. Sucumbimos esfomeados, nós, atores sociais.
Dando forma: o enfermeiro perdeu seu rosto, seu semblante. É mal remunerado, por vezes mal visto. Tem papel fundamental, necessita ser pensante, precisa ser mais bem pensado. Apesar das muitas qualidades profissionais, estar-se-á perdendo campo de trabalho, dia-a-dia, às cegas. Também faz parte, o enfermeiro, de um conselho não participativo, com fundo de interesses financeiros, que não apóia os interesses de classe. Um conselho que não alimenta a discussão, que não ostenta o embate.
Apesar dos avanços, o SUS caminha a passos lentos. Os estrangulamentos são muitos. O orçamento finito. As práticas limitadas, as esperas.
A sociedade, como um todo, carece de profissionais que desenvolvam suas práticas em ambientes de trabalho no mínimo em condições. Urge a ânsia de uma saúde pública de excelência, de profissionais com capacidade técnica, construídos, nunca prontos, mas em formação permanente.
Os meios escondem os extremos, assim, por trás de falhas existem méritos. Porém, os méritos são pontuais. Os avanços quase sempre individuais, nunca em massa, nunca em prol do todo.
Não se tapa sol com peneira, não se abafa com pano úmido a crise que perpetua o setor saúde. Uma crise encravada em veias de gestores, profissionais e usuários do sistema. Uma tríade mãe da problemática, cada qual com seu peso, cada tal com seu pesar.
O pensar a saúde, legitimando o todo, construindo alicerces de planejamentos pautáveis, que norteiem práticas, em especial por gestores, parece o caminho. O pensar e principalmente o repensar, quantas vezes lhes forem necessárias. É o povo que clama.