CRÔNICA – Se eu tivesse um diário (II)

 

CRÔNICA – SE EU TIVESSE UM DIÁRIO (II) – 31.01.2011

 

            ... Pois é, engatamos a simpática jangada ao meu bugre amarelinho, e partimos em direção à avenida principal. Éramos três, eu, o meu caseiro Emídio (pé de cana da gota serena) e o pedreiro conhecido por Extra, que pelo nome já indica tratar-se de boa pessoa. Por sinal ele acabara de perder sua esposa à falta de tratamento adequado por hospital do governo.

            Logo à frente um pneu da carroça que conduzia a embarcação murchou. Ainda bem que havia uma borracharia logo ali pertinho. Serviço feito prosseguimos a viagem. Estrada movimentada, céu de brigadeiro. Adiante, para surpresa, duas senhoras faziam sinais com as mãos, a fim de pedir uma carona. Eram mãe e filha, minhas vizinhas, que também estavam indo pro “Bar do doido”. Duas gatas sensacionais, tanto de rosto como de corpo...

            Pedi pros marmanjos sair do bugre e se acomodar na jangada, pois não poderia, em hipótese alguma, deixar de fazer tal caridade, embora de notar que aquela balzaquiana tivesse uns olhares conquistadores para meu lado, lubrificando o meu ego. Eram dona Norminha, que logo se sentou ao meu lado, e a filha Kate, de 42 e 17 anos, respectivamente. 

            Perguntei-lhes: “Fazia muito tempo que vocês estavam esperando uma carona”? A senhora foi logo direto ao assunto: “Sabe, quando saí de casa e vi você ajeitando a jangada logo parti sabedora de que seu caminho era este aqui... e foi tiro e queda”. – Fico feliz por saber de sua confiança em mim, esteja à vontade, considere-se em casa. – É por isso que todo mundo gosta do senhor. – Bondade sua...

            Finalmente, chegamos. Desatrelamos a carroça do bugre e a empurramos até a beira d’água. Foi quando ela pediu pra ir com a gente, eis que nunca passeara de barco. Então falei ao Extra, um dos rapazes, para dar umas voltas com ela e sua filhinha, ali rodeando os manguezais existentes, de sorte que em meia hora já de volta estivessem, a fim de não atrasar a pescaria. Pelo olhar dela senti que não gostara... Fazer o quê?

            Enfiamo-nos mar adentro e fomos soltando as redes de pesca (quase mil metros), todas checadinhas, pois queríamos lavar a égua nesse dia (¹). Enquanto se distanciava, amarramos as varas já com os anzóis e seus pertinentes engodos, a fim de arriscar, pois não custava nada... por sorte, um camurim meio abobalhado fora ferrado...que belo exemplar...pesou quatro quilos, mais ou menos...a janta já estava pronta.

            Mais ou menos à altura do Porto de SUAPE o radar da jangada acusou a existência de um cardume que era uma beleza, justamente quando as redes estavam chegando ao fim, mas deu pro gasto. Descemo-las com cuidado, todavia os peixes são muito espertos e fogem nessas horas, claro. Deixamos as redes montadinhas, marcamos os lugares, e estipulamos que depois de três horas voltaríamos para fazer a coleta.

            Retornamos a terra, ancoramos e ficamos batendo papo num barzinho na “Ilha do Amor”, aonde as pessoas vão apenas para passar bem, pois fica próxima do local das nossas redes... Qualquer emergência estaríamos a postos. Como eu estava no comando da jangada, tomei apenas uma cervejinha em lata...

            “Meninos, vamos à colheita”, falou o caseiro. – Vamos, falaram todos quase na mesma hora... começamos a recolher vagarosamente as malhas, sentindo-as pesadas, sinal de peixes. E começaram a aparecer, um aqui, outro ali, um grande, outro miúdo, um médio, e era só jogar dentro do grande samburá que levamos, e debaixo dos bancos fechados justamente para segurar o pescado... uma fartura, pensei.

            Quando estávamos mais ou menos na metade, vimos um rombo enorme na malha, que era sinal de que peixes grandes tinham passado e arrombado nossa arma maior, quem sabe um tubarão, que por aqui nos arredores do porto de vez em quando abundam! Aquilo, certamente, fizera com que cardumes inteiros tenham passado, mas há um ditado que diz: “um dia é da caça e outro do caçador”. Dali em diante a colheita foi minguando, concluindo com uma razoável quantidade de pescado, e isso para amadores fora sensacional. Além de tudo, havia o divertimento. No frigir dos ovos a pesagem deu quase 19 quilos... Pra que mais...

            Recolhidas as redes, agora iríamos tomar as nossas geladinhas, e atracamos no Bar do Doido, que estava fervilhando de mulheres turistas, abrilhantando o ambiente: Eram portuguesas, alemãs, italianas, etc., um achado só para se divertir, nem falar em namoro, ninguém estafa a fim. Sentamo-nos numa mesa assim meio distante, conversa vai, conversa vem e não é que a Norminha e a Kate vieram sentar-se conosco!

            Demoramos pouco, pois não queríamos navegar à noite. Despedimo-nos das aconchegantes e quando tomávamos o caminho da jangada elas falaram que queriam ir com a gente. “Esse negócio não vai dar muito certo”, falei comigo mesmo. O pior é que o pedreiro, Extra, pediu pra assumir o motor e comandar o retorno... E a jangada tomara seu percurso normalmente, sem qualquer problema, até que numa manobra sem precaução a hélice do motor “torou” a mangueira do combustível como se fora uma faca bem afiada, isso bem perto dos arrecifes, que são assim como uma parede de pedra onde as ondas batem e evitam o avanço abrupto das margens pelas águas revoltas...

            Não havíamos levado mangueira sobressalente. As ondas empurravam a jangada às pedras; já estávamos a uns cinquenta metros, não escaparia ninguém, nem a alma, que Deus me perdoe. Mandei que jogassem as âncoras ao mar, eram duas, mas embora tenham reduzido a velocidade da aproximação das pedras não deram conta, o mar estava subindo e as ondas eram muito altas. Peguei meu celular e fiz um contato com o socorro marítimo, confesso que estava receoso, até porque era o único que não sabia nadar, todavia usando um colete.

            Por sorte, a lancha de salvamento estava no final da praia de Gaibu, e dela se pôde ver a nossa situação de vexame, eis que içamos uma bandeira branca para chamar a atenção. Nesse dia, por incrível que pareça, nem as velas da embarcação levamos.

            Ainda bem que o pessoal chegou a tempo. Jogaram uma corda e foram conduzindo nossa jangadinha de madeira até a orla onde não mais havia perigo algum. Senti que havia renascido, pegamos os peixes e presenteamos os nossos salva-vidas com muito prazer e aliviados, graças a Deus.

 

(¹) – Ter muito sucesso.

 

Fico por aqui.

Em revisão.

Os nomes das mulheres são meras coincidências.

ansilgus
Enviado por ansilgus em 03/02/2011
Reeditado em 03/02/2011
Código do texto: T2769610
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