VAMOS LER KAFKA?



A escritora Hull de La Fuente, ontem, transcreveu na sua página um texto de Kafka e o fez lembrando-se de mim. Gostei, porque aprecio o estilo literário kafkiano, me identifico com os seus personagens envolvidos em conflitos existenciais. Os contos do autor nos parecem reais, verdadeiros, atuais, principalmente quando tratam do cidadão comum, que pela avaliação de Kafka é visto apenas como um mero detalhe, o que se pode constatar na leitura do conto “O Artista da Fome”, de que tratarei abaixo:

Neste conto, Kafka retrata a vida de um jejuador numa época em que todos mostravam interesse e não faltava quem ficasse dias  inteiros sentados diante da pequena jaula olhando assombrado “aquele homem pálido de costelas salientes que, desdenhando um assento, permanecia estendido na palha esparsa pelo solo, e saudava às vezes cortesmente ou respondia com forçado sorriso às perguntas que dirigiam a ele, ou tirava um braço por entre os ferros para fazer notar sua magreza, tornando depois a sumir-se em seu próprio interior onde permanecia olhando para o vazio com olhos semicerrados, e apenas de quando em quando bebia em um diminuto copo um golezinho de água para umedecer os lábios”. Havia vigilantes permanentes, que tinham a missão de observar dia e noite o jejuador para evitar que pudesse alimentar-se. Jejum esse, que durava quarenta dias.

Um belo dia o “artista da fome” viu-se abandonado pela multidão ansiosa de diversões, e sem outra alternativa foi parar num circo. Com o passar do tempo, sem despertar interesse, foi esquecido dentro da jaula. Uma ordem seca do inspetor ordenou que a jaula fosse limpa. E assim o jejuador foi enterrado junto com a palha. Mas na jaula puseram uma pantera jovem, formosa fera. Nada lhe faltava. Seus guardas traziam a comida que lhe agradava. E a alegria de viver brotava com tão forte ardor de sua garganta que não era fácil aos espectadores fazer-lhe frente. Mas venciam o próprio temor, apertavam-se contra a jaula e de modo algum queriam afastar-se dali.

Como podemos perceber,  tudo continua como dantes...


 Este texto de Kafta foi escrito entre 1913/1921.
Segundo o crítico literário George Steiner, nenhuma voz foi testemunha mais verdadeira da natureza de nossos (eternos) tempos.



 
Zélia Maria Freire
Enviado por Zélia Maria Freire em 03/02/2011
Código do texto: T2769214
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