Minhas conversas de menina
As mangueiras da minha cidade são tão grandes que mal cabiam nos meus olhos de menina. E para a menina que conversava com fadas e duendes, aquelas árvores escondiam segredos que não cabiam nos livros de história que moravam no meu quarto. As mangueiras faziam filas nas calçadas e suas copas, sombras que aliviavam a fadiga da caminha na volta da escola.
Todos os dias, o mesmo caminho e as mesmas conversas. Aqueles seres imensos escondiam outros bem pequeninos. Descobri com minha sabedoria infantil que as mangueiras eram habitadas por criaturinhas bem estranhas. Na árvore mais alta e mais alegre vivia um pequenino de cor luminosa, um verde bem claro, quase transparente. Quando o vi pela primeira vez fiquei paralisada diante dele, tive vontade de sair correndo para a segurança de minha casa, mas não conseguia me mover. Sem muito o que fazer, fechei os olhos com bastante força na esperança de que quando os abrisse novamente ele não estivesse mais lá. Meus olhos de menina não eram de desistir dos encantamentos, então, quando os abri, lá estava ele num buraco bem no centro do tronco. O medo para mim sempre foi um convite para prosseguir e logo estávamos amigos.
Meu amiguinho me contou histórias de povos que habitavam as árvores. Cada árvore era o lar de um povo. Eles viviam tranquilos entre festejos e comemorações que aconteciam sempre em departamentos diferentes das árvores. Os bailes eram realizados nos galhos mais altos e as reuniões de trabalho nos mais baixos. Perguntei a ele se saiam para passear de vez em quando, se não cansavam de ficar sempre na mesma árvore. Ele me respondeu que nenhum deles podia abandonar as árvores que moravam, porque se eles as deixassem elas ficariam doentes e morreriam. Eram eles que sugavam do solo o alimento e a água que elas precisavam para viver.
Todos os dias quando voltava da escola encontrava meu amigo e depois outros que ele me apresentara. Certo dia, ouvi sons diferentes dos habituais saindo pelos buracos das árvores. Encostei meu ouvido no tronco de uma e percebi que meus amigos choravam. Esperei por algum tempo, inerte como a mangueira, até que um deles saiu e perguntei o que estava acontecendo.
- O povo da árvore da esquina da rua foi embora e ela agora está morta.
Não compreendi a mudança.
- Por que foram embora? Perguntei já em prantos.
Eles também não tinham explicações. A dor era grande demais para a menina que naquele momento encolhia ao tamanho dos amiguinhos. Corri para a esquina, precisava comprovar aquela triste notícia. Era verdade. A árvore estava no chão, as mangas ainda pequenas como filhos recém-nascidos escorregavam dos braços da mãe, os galhos todos mutilados, espalhados, alguns no asfalto, outros nas calçadas e as orquídeas que tinham uma convivência simbiótica com aquela mangueira morriam aos poucos, sem ter mais a quem amar e odiar. A dor foi crescendo e ficando do tamanho daquele ser que ali estava no solo quente e que não me daria mais o frescor de suas sombras.
Corri para casa e ao chegar com as faces vermelhas do sol inundadas pela dor, minha mãe, muito preocupada, perguntou o que havia acontecido. Mãe zelosa que era já imaginava coisas terríveis. Contei-lhe tudo, desde a primeira vez que vira aquele ser adorável dentro da árvore imensa, até a mudança repentina do povo que vivia na mangueira da esquina. Minha mãe tinha preocupações de adulto, não podia compreender minhas aflições de criança.
- De onde você tirou tanta fantasia menina? Mas que imaginação a sua! Agora chega, tome o seu banho que o almoço já está na mesa.
- Mas mãe, é verdade. A mangueira está lá no chão.
- Claro, ela estava condenada, ia cair a qualquer momento, os funcionários da prefeitura vieram cortá-la antes que caísse na cabeça de alguém.
Naquele dia não quis almoçar, nem jantar, nem falar mais com minha mãe. No outro dia sai cedinho e ainda havia restos daquela que foi o lar de um povo por muitos anos. Hoje sempre que uma árvore é cortada ainda imagino se seus habitantes tiveram tempo para a mudança ou se o lar virou mausoléu.
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