O boné
O boné
Sempre se casou por interesse econômico, aqui e no mundo, agora e antes. Os ricos não querem perder seus bens e criaram a herança com o casamento para garantir. No passado, início do século 20, essa prática era mais descarada, todos aceitavam e aplaudiam os noivos escolhidos pelos pais, afora a prática do dote. Bem, vamos ao que interessa, a estória verídica de um Tio de meu pai, tio Chico, homem inteligente e avançado para sua época. Foi lançado para os braços de Maria, moça educada para casar e tocar piano, fina flor da sociedade pernambucana, filha de poderoso fazendeiro, terras, muitas.
Tio Chico não fazia o perfil “confortável” para ser o dono da linda moça virgem e suas posses, mas tinha um veio político forte na família e o interesse era comum: terras x eleições, combinação que sempre deu certo no interior e ainda funciona. Nosso herói lutou o quanto pode para continuar gozando de sua liberdade e boemia, gostava de ler, beber e de mulheres. O casamento foi marcado e a festa programada para ser memorável, nata da sociedade e convidados até do Rio de Janeiro, coisa realmente fina. Aconteceu. A missa, as promessas de fidelidade, a festa com fartura de comidas, bebidas, música, discursos, e com Zequinha presente! Sim, o Zeca era primo de Chico e veio da capital para o evento. Os dois se deram muito bem, e uma semana antes já tinham percorrido as propriedades da noiva de dia e as pernas das putas da cidade à noite, mulheres de sabedoria e beleza incomparáveis, só havia coisa melhor em Paris, disse Zeca já meio bêbado para o primo que era só sorriso. Foi uma amizade fortemente consolidada de mentiras, vantagens, mulheres e bebedeiras.
O dia foi interminável para Maria, lindamente enfeitada para as núpcias, com a Mãe (Eugênia) dando o ritmo das ordens, sim muitas ordens nos serviçais, a velha era temida pelas grossas sobrancelhas e bochechas vermelhas, gorda e feia, braba e desagradável aos homens, mulher de contatos e decisões, comandava a família e, por conseqüência, parte da sociedade pernambucana. Educou a filha para ser pura e esposa de homem de valor, não gostava de tio Chico, nem ele da monstruosa sogra, fazer o que? Casamento para aumentar a riqueza da família, trazendo votos para o pai já desgastado eleitoralmente, era a solução, pronto, não se fala mais nisso, aceitou calado, como deve ser.
Na festa a bebida foi muito sofisticada, champagne francesa, vinhos portugueses, o que só animou o primo Zeca: propôs ao nubente que dessem uma fugida da casa para ver as meninas novinhas que ele viu desembarcar no porto, vindas da Europa, carne fresca, deliciosa! É claro que meu tio não negou fogo e partiu, de fininho, para o centro, direto para a casa das putas. Maravilhosas, tinham polacas e francesas, olhos azuis, seios fartos, sorrisos dadivosos, uma verdadeira festa para o prazer, foi ficando, ficando e ficou... A noite de núpcias, na casa de “facilidades”, acordou assustado... Zeca, Zeca, cadê tu? E viu Zeca deitado nos braços da mais linda polaca ruiva. Amigo Chico, fica calmo, você terá a vida toda para se dedicar a Mariazinha e essa moça aqui tem a cor dos cabelos de baixo como os de cima! Um fogo só, fique com ela primo! Chico cedeu, e cedeu e ficou mais três dias naquele paraíso. Voltou.
Depois de saber da fuga do noivo a sogra, sabiamente, disfarçou bem e os convidados foram felizes para casa sabendo que os noivos tinham saído antes para uma semana no Rio de Janeiro, presente dela, uma surpresa para os noivos... Recolheu Mariazinha no seu quarto a chorar, que assim passou os três piores dias de sua vida: sem marido, sem notícias, uma tragédia que só podia dividir com a Mãe e as tias, pela honra da família. O negro Tiziu trouxe a notícia do paradeiro de nosso herói, o que fez Dna Maria bufar e se avermelhar até os olhos se esbugalharem de raiva. Desgraçado! Esse Chico vai se ver comigo! Deixar minha princesa sozinha, isso é pecado mortal! Se não fosse o vexame Eu ia anular o casamento! Chegou a cuspir no chão e pisar forte, na madeira de lei, mato ele! Desgraçado!
Mariazinha era um caco de gente, três dias só de chá de camomila com bolacha de cego, sem fome, sem vida, desvaída em lágrimas, até... Tum-tum, na porta da frente... Tum-tum, e Tiziu falou baixinho “é ele”, correndo prá trás da escada de madeira que subia frondosa para o primeiro andar, tinha medo, Chico tá fudido, pensou...
Meu tio entrou empinado, cara lavada, barba feita, roupa de gala, sapatos lustrados, sorriso calmo e confiante, homem casado, sério. Mariazinha minha flor, venha me dar um beijo! E o terremoto começou, os trovões sograis, a chuva torrencial na face da amada, os sussurros infernais dos ventos maldosos que saiam correndo da boca das tias doidas, o gemido fingido de Tiziu, nêgo filho da puta! Tio Chico viu o circo pegando fogo, mas ELE era o dono da casa, o homem, não podia ceder, onde ficaria o macho pernambucano, que não se submete a mulher, como seu mal educado pai. Foi inteligente, disse: “Minha flor, não chore não que eu volto, só vim buscar o meu CHAPÉU!” Bateu a porta, com o boné na cabeça e sorriu feliz! Mais uma semana sem Mariazinha! A caminho do Rio de Janeiro com o primo Zeca eles riram muito, imaginando a raiva da velha e da calça mijada do negro Tiziu, medroso e safado, vai se ver comigo quando eu voltar!
Só sabemos que Tia Maria nunca reclamou de Tio Chico, um casamento feliz, de muitos filhos e alegrias, ele sempre saindo sem dar notícias de “para onde” e de “quando voltas “. Felizes, como deve ser a honrada família pernambucana.
Roberto Solano