Nova Friburgo, o "dia seguinte"!
A escuridão profunda da fatídica madrugada que riscou do mapa a vida pacata de Nova Friburgo, revela-se num amanhecer de setembro negro elevado à enésima potência. Difícil seria naquele momento um prognóstico de reconstrução do estrago em curto prazo. O cenário era devastação total, prédios inteiros tombados por terra, árvores retorcidas, nenhum poste de luz em pé, a lama cobria quase toda cidade, as águas ainda escorriam das montanhas tal como cortes feitos nas veias de um gigante abatido, mas, ainda assim o pulso pulsava nos heróis anônimos dessa grande tragédia. Pessoas que em momento algum se deixaram abater. Como na letra do hino brasileiro: “Verás que um filho teu não foge à luta”.
Então, desde logo o que se viu foi uma tremenda corrente dos que sobreviveram no afinco de salvar os que ainda em perigo se encontravam. Mais do que ficar pranteando a tragédia foi a força dessa gente em começar a trabalhar. Quem viu Nova Friburgo no dia seguinte provavelmente, diria: “ isso não tem mais jeito... acabou-se”. De modo que em muitos bairros, distante do centro em até dez quilômetros, não se via sequer um poste de luz em pé, toda a fiação estava jogada por terra. No entanto, em apenas três dias, boa parte da energia elétrica e parte da telefonia já estava restabelecida em muitas das comunidades afetadas pelo desastre. Esse foi um trabalho não de um Hércules, mas de vários pequenos Hércules, de muitos heróis sem nomes que apareceram do nada e começaram a se engajar em frentes de trabalhos, seja cavando com as próprias mãos, seja orientando o trânsito, arrecadando donativos ou carregando as pessoas incapacitadas nas costas... Na verdade, esse foi o ponto que mais emocionante. É aí, no epicentro das emoções humanas, onde o verdadeiro homem encontra uma razão para chorar e reconstruir o que foi perdido. A solidariedade foi titânica!
A bem da verdade, era o fim da estrada. Era o fim do mundo, mas, excepcionalmente, naquela manhã o sol brilhava... Tênue entre ainda nuvens cinzentas, insistia um raiar de sol a rasgar o profundo escuro daquela “noite de fim de mundo”... Apesar do desespero, do susto e do terror que abateram as pessoas, o que se viu, de maneira mais enfática e tenaz, foi o raio de sol espelhado nos seus olhares anunciando que a esperança não estava morta. Que mesmo após o fim do mundo o sol insistia em brilhar e, a estrada mesmo parecendo não levar a lugar nenhum estava lá... A vida continua. Sofrida, amarga, expiada, porém, não há como negar que apesar de tudo, ainda assim conseguia carregar consigo a semente da reconstrução e da felicidade. Brava gente de olhar profundo e destemido que fez do dia seguinte o dia da reconstrução friburguense.
Tudo bem que poderia se culpar o poder público pela omissão, pelo descaso, pela má versação das verbas públicas, porém ainda que tudo isso ocorresse e ocorre, nada disso existindo ou não teria evitado esta tragédia. Essa chuva foi a mais diferente de todas as outras que já presenciamos em nossas existências. Na verdade, foi um oceano que desabou de uma só vez em um limitado espaço: a região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Há quem diga que não foram as chuvas que provocaram as desgraças. Dizem que as mesmas vieram acompanhadas de abalos sísmicos. Sei lá, todavia, pode-se constatar que o saldo negativo foi mesmo enorme no dia seguinte. Agora acho que não é mais hora de chorar ou de ficar procurando as causas, seja qual for não importa. O fato concreto é que somos completamente vulneráveis ao poder transformador da natureza. Somos apenas hóspedes que às vezes esquecemos quem somos, pois gostamos de brincar de Deus, aí com um simples puxão de orelhas nos damos conta da nossa humilde condição de ser mortal e insignificante diante à magnitude da natureza.
O planeta está aí há centenas de milhares de anos, é testemunha do milagre da vida. Acompanhou lentamente a transformação desde a fase mais tênue da vida, quando os organismos eram unicelulares, viu a extinção dos dinossauros, sofreu com impactos de astros siderais. Presenciou o início e o fim das eras glaciais, agora testemunha a fase mais complexa da vida onde o ser humano inicia a sua caminhada evolucional. Contudo, o tempo da vida no planeta não é senão talvez um milésimo de seu próprio tempo, pois, na sua grande maioria deste tempo o planeta sempre se mostrou hostil às condições que viabilizaram a vida na atual formatação. Parece que esta pequenina fração de tempo onde a vida se instala, não é senão uma oportunidade única concedida pela providência divina para possamos testemunhar o milagre da criação por dentro da existência. No entanto, mesmo ele, o planeta, que parece ter o tempo a seu favor, não é nada frente ao poder criador e destruidor da natureza. Também ele é apenas mais um astro celeste entre outros tantos no firmamento do céu infinito do universo.
Então, nessa tragédia isso ficou bem claro: não somos absolutamente nada. Ela atingiu ricos, pobres e poderosos da mesma forma. Os que conseguiram sair ilesos saíram por puro capricho da mãe natureza. Todavia, desde logo, ante o cenário de destruição o que mais se acentuou foi a força do espírito humano na busca incansável pela existência.
Claro que temos exemplos de heróis solitários por todas as partes, bem como a solidariedade dos irmãos brasileiros que não mediram esforços em dividir o tinha. Porém, temos exemplos de verdadeiros escroques que, de forma vil, aproveitaram-se da oportunidade para locupletar sobre a desgraça alheia. Alguns políticos também com os discursos de sempre não perderam a oportunidade de aparecer na mídia em sede nacional, no entanto, quero aqui enfatizar que esses aí foram poucos. O que mais se viu, nessa tragédia, foi mesmo homens de verdade e voluntariosos, seja de caneta na mão, pá, enxada ou mesmo de vassoura eles foram os responsáveis pelo renascimento do espírito humano.
E, a todos que de certa forma estão contribuindo para o “renato” de Nova Friburgo, o meu agradecimento e o meu muito obrigado.
(Fábio Omena)