A Fila do Bolsa Família

Todo mês, durante uma semana, é realizado o pagamento do programa Bolsa Família na cidade de Teofilândia-BA. Notavelmente é mais um fato comum dentro da dinâmica social e cotidiana dos moradores da cidade. A grande maioria dos beneficiários são oriundos da zona rural, que deslocam-se em transportes compatíveis com a situação de vida (predominância de “paus de arara”). É banal o encontro de grupos de diferentes povoados, que sob um escaldante sol (exemplificação muito observada) permanecem em meio à grande fila na espera do atendimento ou receber o dinheiro.

Neste lugar, diverso em termo de desejos, padrões de vida e carga cultural impõe-se subjetivamente e de forma objetivamente real “um cântico de acolhimento” e de cooperação, no que concerne à palavras, conselhos ou referências ligadas a estilos de vida consagrados. Lá, falar e/ou expressar-se é obrigação! O outro é importante na medida que lhes é atribuída e manifestada tal designação. Comer a “marmita” quente no sentido lógico e literal (sol), em meio a fila, é algo normal, pois, negar o que se passa no habitat normal que é a roça é inconcebível, e não compatível com sua endoculturação.

A materialização e/ou manifestação de cargas de vida, propagam-se intensamente em forma de casos cotidianos vividos, histórias do passado experimentado e berço de aprendizado, piadas ou até mesmo situações ocorridas na própria fila. Por instantes, esquece-se do objetivo formal devido a embriaguez do “mundo pessoal” comum e arraigado de ações culturais, a fila anda, então, retorna-se o pensamento para as angustias que os acometem diariamente. O que fazer com o dinheiro recebido? Ou seja, qual o sentido de privilégio para quem nunca teve privilégio de ter privilégios? No mais, a necessidade de existência e sobrevivência impera ante a realidade sofredora e o momento de descontração na fila.

Trocar experiências e flexibilizar a situação é o ato de significação existente. Provavelmente situações como essa, são mais difíceis ou improváveis de acontecerem quando não há um principio motivador generalizado que as cause, ou alguma obrigação ou necessidade ante algo formalizado e legal.

Enfim, a fila do Bolsa Família é muito mais do que aparenta ser e do que realmente é. Entendê-la é manifestar um olhar compatível ou afim com tais situações. É estar endoculturizado com a endoculturação do próximo, assim impondo e/ou manifestando ações de respeito e desejo de aprendizagem ante a cultura resplandecente e irradiante no “meio vivente”. É preciso desconstruir algumas aparentes verdades, e valorizar as imagens que conduzem nossas ações, tendo como um dos pressupostos a valoração da cultura, não como uma forma de acesso generalizado, e sim como algo inerente à consciência e a inconsciência de cada indivíduo.

REFERÊNCIA

MELLO. Luiz Gonzaga de. Antropologia cultural: Iniciação, temas e teorias. Petrópolis: Vozes, 1987.

Rei Faces
Enviado por Rei Faces em 01/02/2011
Código do texto: T2766027
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