CAFÉ PEQUENO !!

Passei grande parte de minha vida profissional ensinando inglês e mencionando nomes de lugares onde pensei que nunca pisaria, mas como Deus costuma realizar sonhos de quem tem fé, segui meu coração, comprei as passagens e fui, “sozinha”, conhecer outras bandas da América do Norte. Ressalto o “sozinha”, mas só entenderá a razão disso quem tiver ideia do tamanho de aeroportos internacionais e souber o quanto é fácil se perder dentro deles, se for mais abestalhada do que eu.

Após voar 7.739km e chegar ao aeroporto Logan, fui recebida por Erlânia Cossuol, uma velha amiga de Linhares, que reside em Martha’s Vineyard (Joga no Google, bem!) e também por sua amiga, Malte, uma mineirinha de Ibitira, que vive nos EUA há 22 anos, e que nunca conseguiu deixar de ser alguém folclórica como o “Sr. Manoelzinho”, o cinegrafista de Mantena que virou “celebridade” nacional. Tal como ele, ela deve ter fugido das aulas de concordância verbal aqui no Brasil e para completar, fala inglês dessa mesma forma.

Por volta de meio dia, decidimos que jantaríamos em Nova Iorque, ou seja, a 306 km ao Norte de Boston. Fazendo uso de um GPS (Global Positioning System) acoplado ao parabrisas, começamos a nossa aventura pelas três “lanes” (pistas) da Interstate 95 (uma extensa rodovia que liga alguns estados americanos pela costa leste).

Enquanto meus olhos se maravilhavam vendo a neve pela primeira vez, às margens das rodovias, meus ouvidos, volta e meia escutavam uma irritante voz eletrônica, com sotaque lusitano, orientando: “A 2 quilômetros e meio, vire à direita. Vire à direita!”... “A quatro quilômetros, mantenha a direita até a saída 19. Até a saída 19!” O mais inusitado que ouvi da maldita “portuguesa” foi: “ A 500 metros, inverta a marcha. Inverta a marcha!”. O que é isso, gente? O que é inverter a marcha? Depois de muitas conjeturas achamos que ela estava nos mandando curvar, mas aí os 500 metros já tinham passado mesmo, e então o GPS endoidava.

Muitas vezes tive pena de Erlânia, nossa motorista, pois quando ela se mantinha à direita,por exemplo, de repente, a voz do GPS a mandava ir para a esquerda, ou vice e versa. Sabe o que significa mudar de pista numa Highway (rodovia de intenso tráfego)? Imagine agora ter de fazer isso à noite, no trânsito dos bairros de acesso a Nova Iorque!? Ficamos literalmente perdidas até que conseguíssemos o Zip Code (o nosso CEP) da Odete, uma amiga de Malte que nos hospedaria.

Por fim localizamos a rua e a casa, mas imagine, não conseguimos estacionamento algum. O jeito foi procurar uma vaga em outras ruas e por volta de 20h e 30min (mais ou menos 23horas e 30min aqui no Brasil), por fim, eu coloquei os meus pés em Nova Iorque, exatamente na rua 55 do bairro Queens.

Hora de pegar nossos pertences e caminhar até a rua 54. Então, eu senti o que era friiiioooo. Uma lufada congelante, cortante e constante “esmagou” minhas narinas, fez meus lábios tirititarem e congelou as minhas orelhas. Os solados de borracha de meus frágeis sapatinhos tropicais não conseguiram conter o frio proveniente da espessa camada de neve sobre a qual eu pisara. Meus dedos, sem a proteção de luvas, tinham dificuldades para se manter ao redor da haste da mala que me permitia puxá-la.

À minha frente, caminhavam duas "doidinhas". Cada uma puxava sua mala com uma das mãos, enquanto com a outra abraçava uma montanha de edredons e cobertores, levados por elas na intenção de não sermos tão “empecilhosas” para nossa anfitriã.

Comecei a pensar em meu passado de professora e nas muitas vezes que eu quis saber como eram a neve e Nova Iorque. Era bonito. Era emocionante. É inesquecível! Absorta, lembrei-me de Linhares e do calor insuportável que fazia no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, na noite anterior, fazendo-me voar com roupas inapropriadas para tamanha geleira.

De repente, como em efeito dominó, numa fração de segundos, eu e minhas duas amigas pisamos num “freeze” (uma parte de neve congelada), escorregamos e esparramamos nossos traseiros no chão. Em vez de chorarmos, nos lamentarmos ou nos preocuparmos se alguém se machucara, tivemos, as três, acessos de riso vendo nossas malas e edredons espalhados sobre aquele chão gelado.

Levantamo-nos, juntamos nossas tralhas e rindo muito, chegamos ao nosso destino. Após um banho quentinho e uma sopinha de fubá com couve (por incrível que pareça, essa foi minha primeira refeição por lá), deitei-me, revivi a cena recente e sorrindo pensei: “Para quem já tomou tanto “caldo” em praias capixabas, levantou-se tropegamente com o cabelão pesado e embaraçado com areia, bater com a bunda na neve no Queens é café pequeno, não é não?”.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 01/02/2011
Reeditado em 06/01/2015
Código do texto: T2764948
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