Assombração (II) - O Onofre e a aparição do rei Pelé...
Assombração (II) – Onofre e a aparição do rei Pelé...
Depois da primeira de várias histórias do Zorra (Zórra), a roda de gente formada na varanda na casa de meu pai na tarde do dia de Ano Novo estava pra lá de animada.
E foi aí que ele também resolveu contar uma história de assombração.
Disse ele que, ao tempo em que era rapaz, havia na região em que morava, as Águas Brancas das Morangas, um baiano, alto esguio e conversado, o Onofre, sujeito que nunca abria mão do porte de uma faca peixeira na cintura e gostava de dizer e repetir que não tinha medo de ninguém e nem nada – deste ou de outro mundo. Nenhum dos vizinhos tinha interesse ou coragem de testar as tais qualidades, exceto o Teobaldo, vizinho de terras de meu avô, que em silêncio desconfiava da macheza do cabra.
Certo norte, como era costume, a roda de truco estava formada na casa do “seo” Alberto, mineiro simpático, pai de vasta prole, bom de prosa e muito bom anfitrião, que morava como agregado na fazenda do velho Zé Onório, cujas terras ficavam além das terras do Teobaldo. Meu pai, alguns irmãos e, os vizinhos – inclusive o Onofre, estavam lá, jogando truco e ouvindo alguém no toque da sanfona.
Era uma noite de lua cheia e céu claro, como só pode ser visto no centro-oeste do país. O Teobaldo vinha voltando da cidade numa corroça cheia de compras de ferramentas e outras coisas de manutenção e lida na fazenda. A estrada passava a pouca distância da casa do “seo” Alberto, onde pode avistar a animação dos truqueiros e a presença do papudo do Onofre. E imediatamente, começou a maquinar: “Êh, Onofo, é hoje que eu te ajeito. É hoje que eu te pego na mentira!”...
Pouco depois, o Onofre, despachado como sempre, avisou que já ia embora. A despeito da insistência do “seo” Alberto para que ficasse um pouco mais e, a provocação da rapaziada quanto aos perigos da estrada e os pedidos para que esperesse a companhia dos companheiros no caminho de volta, como de costume, ele não retrocedeu, e reafirmando sua coragem e disposição de cortar qualquer mal que lhe aparecesse no fio da “viana”, tomou o rumo de casa.
Ele ia pisando firme a assoviando uma velha rancheira, em direção à casa, ainda bem distante, e foi se aproximando de uma encruzilhada de estradas, onde mudaria de rumo, descendo na estrada à esquerda, rumo à baixada. Encruzilhada era lugar temido pelos sertanejos – sempre ligadas a histórias de despedidas tristes, mortes atraiçoadas, feitiçarias, acidentes, assombrações e, coisas do tipo. Mas, o Onofre, ia na dele, sem dar pelota para a coisa.
Perto do cruzamento de estradas, justamente na margem esquerda, tinha um moite baixa de arbustos estendida sobre um enorme cupinzeiro. E vinha o Onofre olhando para o tempo e a paisagem. A cerca de cinquenta metros de distância, ele notou algo com um brilho mortiço, balançando em cima do cupim. Cismou imediatamente, puxou da faca, diminuiu a marcha, saltou para o outro lado do caminho, e foi se aproximando feito um gato, para ver o que era aquilo. E na medida em que ia se aproximando, foi divisando no meio dos arbustos um rosto escuro, cercado por um alo branco, no meio da folhagem. E então, estremeceu dos pés à cabeça, sentiu um arrepiaço subindo das costas para as orelhas e deteve a marcha, tremendo e com o fôlego atrapalhado. Pela primeira vez na vida, paracia inquirir a si mesmo se aquilo podia ser da parte do "coisa ruim" ou se era uma aparição ou alma penada. Aquilo não era nada, ainda...
Quanto ele estava mais perto, o clarão da lua lhe permitiu divisar perfeitamente um rosto, no meio de um alo branco e meio embassado. De repente, a figura se moveu sobre o cupim e gritou com a voz esbravejante, cavernosa e tremida: “É hoje, Onofo! É hoje que eu te levo comigo, peidorreiro! Vem aqui, Onofo, pega na minha mão e vamimbora!” E então, a figura desapareceu uns segundos, momento em que moita de arbustos sacolejou como se estivesse sob uma violento redemoinho. O rosto da figura voltou em seguida, e começou a mover-se para o seu lado, gritando: “Vem, Onofo! Chegou o dia de vir cumigo!”
Os cabelos de Onofre se arrepiaram tanto que pareciam levantar o chapéu de palha. O queixo, parecia uma matraca. E tudo o que o fanfarrão conseguiu fazer foi atravessar a estrada, na direção da sede da fazenda do Teobaldo, gritando por socorro e "acode, Nossa Senhora!", passando pelo pasto, se desviando da sombra da figueira, no outro lado do caminho, desaparecendo numa curva do caminho, mais à frente.
Uns segundos depois, saiu o Teobaldo de dentro da moita, já lacrimejando e arquejando de tanto gargalhar com a correria medrosa do Onofre, segurando um enorme poster do rei Pelé, feito sob encomenda, a partir de uma foto do jogador publicada em jornal, em que o craque envergava a famosa camisa branca do Santos Futebol Clube, com o qual ele pretendia enfeitar a parede da sala de sua solitária moradia de fazenda!