QUANDO REZEI O TERÇO EM BRAGANÇA

Dizem que recordar é coisa de velhos; mas eu, que não me considero idoso, basta sentir doce perfume de rosa ou ver raio de sol escorrer pela vidraça húmida, em fria manhã de Inverno, para no armazém da memória, espertar episódio espirituoso, cena amorosa, ou acontecimento há muito empoeirado e esquecido.

Foi o que aconteceu numa triste e chuvosa tarde deste Inverno. Estava diante do computador, tentando escrever a crónica da semana, quando melodiosos cânticos chegam aos meus ouvidos. Sons que vinham não sei donde, mas julgo serem do “terço” que a TV “ Canção Nova” transmite.

Imediatamente fui transportado, como por artes mágicas, para terras transmontanas, para certo mês de Julho, que se perdeu no tempo.

Foi na cidade de Bragança. Era fim-de-semana. Um sábado. Visitava prima que ocupava bonita vivenda para as bandas do seminário. O Sol era lume, lume vivo, apesar de agonizar-se em tons carmíneos e alaranjados.

Na acolhedora salinha envidraçada, palestrávamos sobre as notícias que escutáramos no telejornal. Na varanda anexa, uma criança, de farto rabo-de-cavalo, brincava, tagarelando com bonecos articulados. Estava descalça; tinha pele acetinada, morena, cor de centeio e olhos meigos de lindo castanho.

De súbito interromperam-nos. Era a voz grave e autoritária de meu primo, convidando-me para passeio.

- Vou sair com meus filhos! Queres vir connosco?

Aceitei com agrado. Oh! Se não queria! O que eu mais queria era estar com as garotinhas! Passear com elas, era para mim, adolescente triste e solitário, prazer muito melhor que ambrosia dos deuses, mesmo não conhecendo o manjar divino.

Desci, dois a dois, os degraus que separavam-me da rua, como passarinho saltitante que inicia os primeiros passos.

Em breve o auto deslizava pelo empedrado da Avenida do Sabor, em direcção à negra fita da estrada, que nos levaria a Gimonde.

- Vamos rezar o terço! - disse imperativamente meu primo.

E iniciou a reza. O silêncio que nos envolvia; as vozes harmoniosas das minhas queridas priminhas, que pareciam cantarem louvores angélicos; a luz doce, delicada, suave da tarde que descaia mansamente, deu-me a sensação de mergulhar numa fascinante paisagem de Corot.

Como gostaria que o tempo parasse! Como seria bom que a cena idílica ficasse eternamente presente, esquecida no tempo!

Por que será que os fugitivos momentos de felicidade duram tão pouco?! Deus meu!, como é bom recordar!; mas as alegres lembranças fazem-nos também chorar, pelo tempo que não volta mais.

Bons tempos da infância! Tempo de ilusões, sonhos e inocência. Tempo em que se acredita na amizade e no amor…mesmo o impossível!

Humberto Pinho da Silva
Enviado por Humberto Pinho da Silva em 29/01/2011
Reeditado em 02/02/2011
Código do texto: T2759487