O que lembro e o que sinto

Lembro-me agora do sol de fim de tarde iluminando o terraço de casa. A cor laranja típica do por do sol de verão em dias de chuva fazia contraste com o verde dos mangueirais ao vento...uma verdadeira tela de pintura a óleo, cor e brilho.

A terra bem poderia parar de girar nesses dias; o tempo poderia parar de correr na direção do nada, do infinito, do incerto, e transformar o relógio em um objeto não identificado, com ponteiros que giram, giram, giram e param sempre no mesmo lugar só para contemplar o instante mágico da bola gigante de cor laranja no céu imenso que parece estar ali somente de fundo de tela, para acomodar o sol.

Agora é noite, lua entre nuvens, pingos de chuva ensaiam uma tempestade. Raios, relâmpagos, trovões e o burburinho das folhas ao vento incomodam, chamam o meu nome e me mantêm acordada para lembrar meu desconforto.

O desconforto de sonhar com os olhos abertos, de sorrir um pranto de dor, de podar as folhas secas quando é a raiz que está sedenta. O desconforto de enxergar a luz ao fechar os olhos, de abrir os braços e estender as mãos, quando fechá-los em volta do corpo é o que liberta. Enfim, o desconforto de correr quando a decisão de parar é a que leva adiante.

Daqui a pouco vem o silêncio da madrugada, o ensurdecedor silêncio. Não lembra, não chama, mas também não acalanta. Tal como a dor, que não é vista, nem apreciada, nem se diferencia, mas está lá viva e pulsante, antecede o alvorecer de novos dias, de novas horas, de novo confortável fim de tarde, que anuncia a desconfortável noite, na qual conheci o amor, na qual perdi o bem, e na qual mergulho de olhos abertos, insanos, perdidos. Ah! Se o tempo retroagisse e parasse naqueles fins de tarde de verão em dias de chuva.