Infância Adormecida
O dia de trabalho foi pesado. Uma correria sem fim em meio a um trânsito que não colaborava. Mesmo assim encontrei um tempo na minha agenda de reclamações para olhar pela janela do carro.
Lá embaixo, pouco além da estrada, crianças jogavam futebol. Alheios às irritantes buzinas e aos esbravejadores adultos, amargos adultos que passavam ao lado. Um menino gritava com o outro apontando insistentemente para uma marca imaginária de pênalti na grama que se esgueirava em meio a terra. Era sua única preocupação.
Nem mesmo os pés descalços no chão cheio de buracos e lama irritava aqueles garotos que só queriam brincar em um início de noite de uma quinta-feira. Se eles soubessem o que perderão em menos de 10 anos teriam deixado até mesmo o pênalti de lado.
Em pouco tempo, os moleques virarão rapazes. Virá o vestibular, a escolha da profissão de uma vida, o primeiro trabalho, garotas partirão seus corações, amargurados farão o mesmo a outras, os seus carros serão mais números em meio a uma superlotação de um trânsito ainda mais caótico.
Aquele pênalti representava um bobo problema em meio a beleza da infância que se perderia entre dilemas e amarguras. Fico me perguntando o que eles fariam e o soubessem. Um dia fui uma menina inocente e cheia de sonhos, meu maior problema era chegar em tempo para formar o time de vôlei na escola. Nunca percebi que os lugares que almejaria ocupar mais tarde me trariam desafios maiores.
Semana passada encontrei um fio de cabelo branco em meio à minha ruiva juventude. Ele poderia ter sido adiado não fosse aquele bendito jogo de vôlei. Agora eles multiplicar-se-ão a cada buzina e a cada vez que eu vir crianças brincado descalças e não puder fazer o mesmo.