Da boa e velha "saidinha de banco"
Lúcio Alves de Barros*
O problema se arrasta há um bom tempo e pelo andar da carruagem ainda está longe da solução. Vai fazer um ano (Circuito Notícias, n° 197, julho de 2010) que destaquei em um pequeno artigo o problema da “saidinha de banco”: um fenômeno hodierno que, carinhosamente apelidado pela polícia, tem resultado em casos dramáticos e cruéis de homicídio e sequestro. Neste momento, em plena tarde ensolarada vejo pela TV, num destes programas sensacionalistas, um sujeito saindo da moto e correndo rumo a duas pessoas que acabaram de sair do banco. O meliante, com arma na mão desce afoito da moto e, por fortuna das vítimas, por pouco não consegue abocanhar os rapazes que chegavam em casa. O momento foi acompanhado e gravado pelas câmeras domésticas e, de acordo com o histriônico repórter, a polícia está quase o identificando.
Não é preciso ir longe para perceber que os recalcitrantes andam aperfeiçoando as técnicas da famosa “saidinha de banco” e, de quebra, não estão de “olho vivo” somente nos idosos de outrora, mas até em jovens e pessoas que labutam no interior das agências bancárias. Não vou cair no conto do vigário e na ladainha de pedir mais policiamento, mas é no mínimo questionável a ação das autoridades que tem visto esse fenômeno a desenvolver. Até o momento uma lei está por ser regulamentada na tentativa de culpar o celular que pode ser o gatilho armado no interior dos bancos. Todavia, uma criança de oito anos já sabe que é preciso somente uma mão no bolso para apertar uma tecla e enviar uma mensagem para o comparsa, ávido de clientes, que está lá fora à espera em uma moto e/ou em um automóvel.
Para se ter a ideia da dimensão do problema: neste exato momento, no qual leio o jornal (Hoje em Dia, 27/01/2011) a polícia já havia registrado 922 ocorrências em 11 meses. Não vou nem me referir à famigerada “cifra negra”, a qual diz respeito às vítimas que, por diversos motivos, não acionaram a polícia. Mas o fato é preocupante e merece maior cuidado. Não é por força do acaso que o fenômeno da “saidinha” tem tomado as manchetes dos jornais, os programas sensacionalistas da TV e a Internet. É óbvio que, passado o cansativo mês de dezembro e o início do ano, tempos de gastos ostensivos e sem lugar, qualquer meliante por mais burro que seja está à procura do que os economistas chamam de capitalização. Penso até que a coisa vai ficar mais feia porque o carnaval tem início somente em março e é neste mês que os picos da criminalidade ficam mais assanhados.
Tenho ciência que a Polícia Civil e a Polícia Militar sabem do que estou falando, mas não escrevo para eles. O senso comum, infelizmente, é incapaz de ter a mínima noção de como funciona o fenômeno da criminalidade. Também sei muito pouco: falo mais do ponto de vista da vítima. De toda forma é um fato: a “saidinha de banco” ficou tão popular que até uma garota universitária, de 20 anos, considerada da classe média, andou treinando a sua com o namorado motoboy, de 27 anos. Eles abordaram um vigilante e conseguiram levar a mochila e o seu dinheiro. O casal estava armado e não custa lembrar que foi numa destas que a “saidinha” levou à morte a economista Patrícia Martins Cardoso, de somente 48 anos, covardemente assassinada com um tiro nas costas na frente do pai. E, na esteira deste caso, vale lembrar que um detetive, há pouco tempo, também foi vítima e ficou sem os seus R$ 50 mil. Mais ou menos no mesmo período foi descoberto uma quadrilha que chefiava um “bando da saidinha” de dentro de uma penitenciária. Depois um senhor foi baleado pelas costas em um bairro conhecido em Belo Horizonte (o Barreiro). Episódios foram registrados na Pampulha, no Jaraguá, no Floresta e em plena Afonso Pena. Para não gastar muitas linhas, friso que “saidinhas” foram registradas em Contagem, Betim, Brumadinho e Ribeirão das Neves, local no qual um motoboy foi roubado em R$ 30 mil.
Creio que os dados, possivelmente já geoprocessados, devem estar pontuando toda a grande BH e, certamente, está difícil para a polícia identificar uma “zona quente de criminalidade” ou uma “zona sensível” como diz os estudiosos franceses. Explico melhor, muitas vezes os meliantes, craques neste delito, seguem a vítima e - por natureza - as pegam no caminho de casa ou do trabalho. Em outras palavras, o delito acompanha a vítima e o registro se dá longe da agência, enganando o estudioso e o estatístico de plantão. Este “crime em movimento”, complexo tal como o de roubo a ônibus, não deixa de trazer a incerteza, o medo e a insegurança. Seria bom que o fenômeno da “saidinha” se tornasse caro aos recalcitrantes, mas tudo indica que não. As motos e os automóveis podem ser roubados e, no geral eles não retiram o capacete e, por minutos, “fazem” a vítima.
É bem verdade que a polícia tem conseguido apreender um aqui e outro ali, mas já se fala que são em média três vítimas por dia de “saidinhas” em Belo Horizonte. Em tempos de polícia comunitária, câmeras de “olho vivo”, vizinhos e “bancos” protegidos, grande montante de policiais no centro da cidade, aumento salarial, viaturas em bom estado e policiais motivados e credenciados com cursos e mais cursos não é possível que inexista uma política eficiente, um “planejamento estratégico” - como gostam de dizer - e com inteligência para, pelo menos, buscar uma compreensão do fenômeno. Caso contrário, é possível esperar a banalização da lei proibindo o celular no interior das agências, novos aprendizados para burlar as investigações, a associação com outros crimes, notadamente o sequestro, pois como proceder com o criminoso que lhe confundiu e abordou achando que no seu bolso se encontrava mais do que ele esperava?
Infelizmente, o meliante quer, por definição e função, e não precisa ser criminólogo para entender isso, aumentar o benefício, diminuindo os riscos e os custos. O tempo é fator crucial. Sem a possibilidade de ganho imediato a vítima pode contar com a ajuda de Deus ou com os famosos conselhos: “nunca reaja”, “utilize somente o cartão”, “não ande com dinheiro”, “não faça movimentos bruscos”, “na dúvida, não faça” (provérbio judeu) e “entregue tudo, sua vida é o mais importante”. Não deixa de ser bons conselhos diante de um melhor: “não entre no banco” e, caso precise, vá com “seguranças privados” ou com muitos amigos que podem ajudar a enganar o ladrão, servir de testemunha ou mesmo para chamar a polícia.
* Professor da UEMG (Universidade do Estado de Minas Gerais) e organizador do livro “Polícia em Movimento”. Belo Horizonte: Ed. Aspra, 2009.