Seja Forte
Lá estava ele, sentado, sozinho. Já estava acostumado, mas mesmo assim o incomodavam.
- Ridículo! Falava um passando por ali.
- Pobretão! O outro ria com mais três garotos.
Alguns não falavam nada, mas os olhares... Ah os olhares. Ian odiava a maneira das pessoas o olharem, eram olhares de pena, desgosto e de vez em quando medo.
- Droga. Gritou Ian ao chegar a casa.
- Que foi meu filho? Sua mãe perguntou da cozinha pobre onde, com seu avental rasgado, cuidava dos pequenos irmãos. Seu cabelo com pouco brilho estava amarrado em um coque mal-feito, tinha o olhar triste daqueles que já não tinha esperanças.
- O que houve? Dª Carmen o encarava da porta do pequeno quarto com duas camas e um berço, humildes mas limpos. As roupas de cama exalavam um cheirinho de lavanda. Ian a olhou e abaixou a cabeça.
- Mãe, eu não agüento mais aquela escola, aquelas pessoas, aquilo tudo...
- Ah meu filho... Dª Carmen o tinha abraçado tentando o confortar.
Mãe, eles não me deixam em paz. Todos os dias eles me xingam, fazem graça, me olham diferente... O garoto sabia que a culpa não era de sua mãe, mas ele não conseguia conter a raiva, era mais forte do que ele. –A senhora disse que ia acabar, mas não acabou. EU ODEIO A MINHA VIDA, AQUELA ESCOLA, ODEIO AS PESSOAS...
O garoto levantou e saiu de perto da mãe. Dª Carmen não falou nada, ficou sentada passando a mãe no vestido azul claro e olhando a raiva do filho. Sabia que era melhor deixar ele se acalmar. Quando ele finalmente calou resolveu intervir.
- Sabe por que o seu nome é Ian Augusto?
O garoto se virou sem entender, o que tinha a ver o seu nome naquela hora?
- Ian Augusto... Continuou Dª Carmen vendo que o filho não tinha respondido. Por causa do seu avô! Era um grande homem... Venceu os piores desafios que alguém pode viver. Guerras, tristeza, abandono, exílios...
- Ian olhou a mãe com um pequeno sorriso e sentou ao seu lado novamente.
- Você é forte querido, tão forte quanto o seu avô foi um dia.
- Mas mãe, aquelas pessoas... Ian falou baixo, quase em um sussurro.
- Eu sei meu filho! Ela encarou-o com um olhar piedoso, um olhar de mãe. Não deveria ter dito que acabaria rápido. Sempre foi desse jeito. Pessoas ditas normais, olhando de cara feia para um deficiente, um mendigo, um negro ou um garoto que usa sandálias ao invés de um tênis caro... Os dois olharam para baixo, onde nos pés do menino, a única coisa que o protegia era um par de sandálias gastas. - As pessoas têm certa dificuldade em aceitar o diferente, em aceitar o anormal, como eles mesmo dizem.
Dª Carmen se agachou e pegou na mão do filho.
- è nessa sua idade Ian, que as idéias estão se formando e na maioria das vezes eles são errados. Sempre tendo o bonito, o legal, o aceitável. Meu filho, você é um garoto inteligente, bonito, esperto, bom filho. Não reclama dessa vida que leva, vai apenas seguindo seu caminho, guardando sentimentos e escondendo sonhos e projetos pra me ajudar em casa. Eu sei o quanto é difícil os olhares, mas você é forte, é valente como o seu avô. E eu confio em você Ian.
Dª Carmen se levantou com um pouco de dificuldade, com as pernas já falhas, foi caminhando até a porta ao ver o filho pensativo encarando uma grade na janela.
- Mãe. Ian chamou ao mesmo tempo em que andava para seu encontro. Dª Carmen olhou e foi surpreendida por um abraço e um sussurro. - Eu te amo.
- Eu também te amo muito Ian. Ficaram alguns segundos abraçados. Agora deixa ir porque a casa está uma bagunça. Ela sorriu e afagou o rosto do menino.
- Mãe, Ian a chamou de novo, enquanto a mulher atravessava o portal. – Amanhã tem reunião de pais e mestres...
Dª Carmen fez que sim com a cabeça e saiu, no momento em que uma criança chorava no outro cômodo.
- Ser forte... Como o vovô. Ian repetiu para si mesmo antes de pegar a mochila e começar o dever de matemática.
- Vamos Gabi, veste isso rápido! Dª Carmen falava com a filha de quatro anos que se embolava com a saia enquanto ela trocava a fralda de um bebê.
- Ai droga, O leite... Um forte cheiro de queimado vinha da cozinha. – Filha vai arrumando ele que eu vou arrumar a mamadeira...
- Estamos atrasados, estamos atrasados... Ela repetia para si mesmo, enquanto esfriava o leite do pequeno Gustavo. Pronto filha?
Na sala as crianças assistiam alguma coisa na TV velha. Ela pegou o menor no colo, colocou a bolsa de um lado e segurou a mão da menina. Saíram do pequeno barraco em direção a escola de Ian.
Em frente á escola, uma pequena multidão se aglomerava em volta de algo. Pessoas assustadas falavam sem parar, mas com tanto barulho ela não conseguia entender muita coisa.
- O que aconteceu? Dª Carmen ia se embrenhando no meio daquelas tantas pessoas.
- Alguns garotos brigaram. Falou um homem nas pontas dos pés tentando ver melhor. Um deles se machucou... E feio.
- Ian... A menina tinha soltado da mão da mulher e saíra correndo. parecendo ver algo que a mãe não conseguia.
- Filha volta aqui... Dª Carmen correu atrás de Gabriela que, por conta do tamanho, já estava no meio da confusão.
Quando finalmente conseguiu alcançar a criança, deu um grito. Seu coração de mãe despedaçou. Seu filho, seu pequeno estava lá. Deitado, inconsciente cercado por varias pessoas. Ajoelhou-se ao lado do menino sem poder conter as lagrimas.
- Ian... Filho... Dª Carmen passava a mão na cabeça do menino que tinha um enorme machucado por onde jorrava o sangue, sangue de um vermelho vivo, um sangue inocente.
- Fala com a mamãe Ian. Filho...
- Mãe?! Ian tentou abrir os olhos. A dor em sua cabeça era grande, como se alguma coisa cortasse seu cérebro pouco a pouco. Ele cerrou os olhos e sussurrou:
- Não entendo. Eles vieram pra cima, todos eles... Eu tentei ser forte mamãe, eu juro que tentei, mas eu não consegui...
- Você é o mais forte filho. Eu acredito em você. Dª Carmen falou entre as lagrimas tentando confortar o pequeno Ian. –Agora fica quietinho está bem?! Vai ficar tudo bem.
Ian tentou dar um sorriso, sem sucesso, enquanto vários médicos saiam do meio da multidão afastando mãe e filho.