A MAGIA DOS QUINTAIS

As goiabeiras ali. Uma ao lado da outra. Uma, goiabas vermelhas. A outra, brancas. Goiabas deliciosas, não importava a cor. Mais saborosas ainda, porque colhidas no pé. Às vezes, um bicho. Mas, como os mineiros dizem: “bicho de goiaba, goiaba é...”. Pois é. E era muito bom também subir no pé e ficar encarapitado lá em cima, num leve balanço ao vento.

E os mamoeiros? Ah, orgulhosos, exibiam seus frutos maduros, como seios inchados, pendurados no tronco. Mamões docinhos, que às vezes, quando esquecidos, acabavam sendo bicados pelos passarinhos. Nada se perdia. Até os talos das folhas do mamão eram utilizados como canudinhos para soprar bolhas de sabão. Ou para fazer flauta doce, rústica, improvisada.

Os mamões são realmente um caso à parte. Porque, mesmo verdes eram deliciosos. Não que a gente os comesse assim: viravam doces de mamão, habilmente preparados por minha mãe. Ela os fazia de várias maneiras: ralados com coco, lavrados e até mesmo em cubinhos, cristalizados. Eu me lembro que ela usava cal virgem para “curá-los”, para que eles ficassem bem durinhos: uma crosta crocante por fora e bem molhados por dentro. Deliciosos.

E os pés de manga? Tinha um pé de manga-coco e tinha também manga-espada, minha preferida. Em alguns quintais da vizinhança tinha manga-rosa, também muito saborosa. Bonita e perfumosa. Mas, continuo dizendo: a manga-espada era imbatível. Tinha um sabor incrível. Aliás, ainda tem. E, para completar, a volúpia de subir nas grimpas, no mais alto da mangueira, e ficar lá de cima espiando o movimento do quintal lá embaixo. Uma sensação de liberdade e de poder.

Pelo que vocês já devem ter percebido, estou falando de algumas das frutas que existiam no quintal lá de casa, em Minas, da minha casa que ficava na rua 7 de Setembro. Um quintal enorme, com bastante frente, pois o nosso barracão ficava nos fundos. Tinha pé de abacate, pé de figo, pé de limão galego, touceira de cana caiana, parreira de uva... As uvas eram daquelas pequenas, pretinhas, bem doces... Tinha um pé de romã, que é um outro caso à parte: lembro-me das romãs trincando, avermelhadas... Sempre me pareceu que a romã madura tem o gosto, a cor e a textura de manhãs se abrindo ao sol.

E, para completar, tinha a horta. E também um galinheiro e um chiqueiro onde meu pai cevava os porcos (esse é um capítulo à parte, a ser comentado noutra ocasião)...

Na horta a gente tinha caramanchão de chuchu, tomateiro, pés de jiló, pés de quiabo, pés de pimenta malagueta, bem vermelhinhas. Meu pai gostava de curti-las. Comia de colherada. E havia também folhas: couve, alface e taioba. E cheiro verde: cebolinha e salsa (em Minas não se usa muito o coentro, como aqui no nordeste). Aqui e ali se plantava também a cenoura e algumas ervas (não, não tinha a canabis: estou falando de boldo, hortelã, funcho, entre outros...) E, às vezes, nasciam e quase dominavam tudo as aboboreiras. Doce de abóbora com coco: outra especialidade de minha mãe.

Não dá para se falar de todos os sabores. Mas, impossível não se comentar a couve, cortada bem fininha e refogada no alho e saboreada junto com o torresmo, aquele bem pururuca, sequinho, estalando. Não poderia deixar de falar também do gosto e da textura da taioba, pouco conhecida por essas bandas do nordeste. É uma folha bem suculenta, nutritiva e saborosa. E o jiló? Tem gente que acha que o jiló só serve como comida de passarinho. Realmente os pássaros gostam das suas pequenas sementes. Mas as pessoas, geralmente, o acham amargo. Quanto a mim, sempre gostei de comê-lo refogado. Com arroz e feijão. Além do jiló, tinha ainda o quiabo, que é um pouco adocicado. O quiabo é mesmo um caso à parte: compunha o delicioso “frango com quiabo” que minha mãe fazia aos domingos. Frango com quiabo, angu, arroz branco refogado e feijão temperado no alho. E minha mãe tinha toda uma técnica especial para tirar a baba do quiabo: ele ficava tenro e gostoso, sem aquela gosma que muita gente detesta.

Para mim, todos os quintais são mágicos. O da minha infância, então, nem se fala. Porque além de frutas e folhas, galinhas e porcos, tinha também flores. Um verdadeiro ecossistema (naquela época não se falava assim, nesse “ecologês”...). E então vinham os pássaros e as borboletas e outros insetos. Quase uma floresta, o quintal, uma festa. Em profusão, os beija-flores. Borboletas de todas as cores. Eu amava aquelas que eu chamava de “flamengo”, pelo seu vermelho e preto. E tinha também as borboletas amarelas. Enfim, um quintal de muitas cores, muitos sons, muitos sabores.

Não posso me queixar da minha infância: muito trabalho, muito estudo. Mas também a grande alegria de ter um quintal vivo, com o qual eu mantinha uma relação de cumplicidade. O quintal, um dos meus melhores amigos, o meu refúgio secreto. Eu, que sempre fui franzino, ali me sentia um gigante, o dono do mundo. Da goiabeira ou do alto da mangueira, com uma caneca de ágata cheia de água espumante, soprava no canudo de mamão as coloridas bolhas de sabão. E elas iam subindo, subindo e depois explodiam e se desfaziam no ar. Como essas recordações que aqui também passeiam, coloridas, pelos quintais da vida. Quintais: portais que nos permitem viajar no tempo. E nesse país das lembranças há sempre um gostinho especial: um sabor de quero-mais.

(Dedicado a todos aqueles que tiveram quintais... Ou que quiseram tê-los e não puderam...Afinal, todo quintal é um pedacinho do paraíso... )

José de Castro
Enviado por José de Castro em 26/01/2011
Reeditado em 05/11/2012
Código do texto: T2754184
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