NA VIDA TEM HORA...
 
 
Éramos adolescentes e irmãos. Eu, menina de treze anos e ele de dez. Magrinho, bem menor que eu, e nos entendíamos ás mil maravilhas.
 Muito divertidos, unidos. Não sei qual de nós fazia os carrinhos ou caminhões de toco de madeira. Mas a estrada riscada e cavada no barranco, em zig-zag, era bem feita, Cheia de dificuldades a vencer. Tinha túnel. Rampas íngremes. Perigos. Conquistas. 
 

Todo brinquedo tinha sempre uma proposta preliminar, seguida de um plano. Depois era cada um com seu carrinho subindo e descendo aquela longa estrada, fazendo sons e diálogos. Aventuras.
 
Aliás, ao longo da vida fomos unidos e ele sempre foi o meu maior amor, dos três aos sessenta.
Ele se libertou do meu domínio (involuntário, era apenas natural, como tudo de bom da vida é do nosso domínio, como a flor, o perfume, a alegria e o prazer, que Deus nos dá, tudo é da gente).
 
Um dia qualquer, em que eu estava próxima à janela do quarto, aberta para a área lateral da casa, uma comprida área, e ele estava lá no fim desse espaço, cheguei á janela e um objeto caiu da minha mão na área.
 
Pega aqui pra mim!” Ele não se moveu do lugar e gritou:
_ “Não vou!”
 
Foi tão verdadeiro, que entendi perfeitamente que terminara o meu mando e que ele assumia sua própria individualidade.
Respeitei-o.     

 Nessa época também o meu pai, que começava a fazer distinção entre a filha e o filho menores deu atenção ao meu irmão, chamando-o para fazer caminhada pela linha da estrada de ferro, num papo maravilhoso que ele sabia ser. Começou a sair só com o ele e recusando que eu fosse. Eu ficava na janela da varanda, olhando-os se afastarem.
 
Na vida, tem hora em que somos julgados pelos que amamos. Somos julgados e escolhidos. Ou destituídos do que sonháramos ser.
             
Eu já sentia o amor, mas não sabia.
 
Eu já sonhava também.
Em ser escolhida.
Em ser feliz.