DESCALÇA
Homens engravatados e mulheres de salto alto desfilando por aqueles longos corredores. Enquanto ela aguarda para falar com um deles, só tem uma certeza em seu coração: gostaria de estar em qualquer lugar, menos ali.
Não que seja uma menina inocente cercada por tubarões. Ela sabe muito bem desempenhar o seu papel. Tem jogo de cintura, conhece as regras do jogo.
Talvez por isso mesmo não suporte mais esse lugar de pessoas bem vestidas e mal intencionadas.
Perdida em pensamentos, se lembra de um tempo em que a vida era simples e gostosa. A biblioteca de painho, as estórias que ele lia para ela, e que a tornaram apaixonada por livros. Inesquecíveis A Ilha do Tesouro e Reinações de Narizinho!
Ah brisa quente de Itaparica, que envolve e faz sonhar! Os melhores momentos de sua vida foram passados lá. Pés no chão, banhos de rio e de mar, quanta saudade!
Agora é obrigada a conviver com a frieza do mármore e dos corações. Ela acompanha o tic tac lento e torturante do relógio, contando os minutos que faltam para finalmente se ver livre de novo.
Quer voltar para sua Bahia tão amada, para o fim de tarde com amigos, para os vestidos leves e os pés descalços.
Enquanto não pode, se refugia em seu reino encantado, virtual e carinhosamente preparado. Ali encontra o aconchego que o belo apartamento funcional não lhe pode oferecer.
“Ele já pode recebê-la.”
Com essas palavras ela desperta de seus devaneios. Após horas de espera, finalmente terá sua entrevista.
Perguntas feitas, perguntas respondidas. Hora de voltar para casa.
Casa? Sua casa, seu verdadeiro lar, está a centenas de quilômetros dali.
Ela sonha com o dia em que poderá se declarar livre. Nesse dia jogará os sapatos para o alto, e descalça correrá para o aeroporto.
E ao fundo, alguém estará cantando:
“I don´t want to stay here
I wanna to go back to Bahia”
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*Nota do autor: 26.Jan.10