As ameixas
Elas estavam lindas na bandeja sobre a bancada da cozinha, eu olhei prá elas e pensei: esse é o vermelho que gosto, um vermelho granada. As ameixas tinham cor de granada, mas ainda não estavam no ponto para serem saboreadas. Estavam duras, e eu com aquela vontade de detonar todas as ameixas.
Passei o dia pensando nelas e em mim. Também sentia vontade de detonar outras coisas na minha vida, mandar para os ares o que prende solto, esses laços mal dados que machucam quando nos esquecemos deles e num passo à frente os nós apertam.
Mas não sou de guerra, sou mansa e fico na espera que essas idéias que me circundam madureçam de vez, e pensativa que sou me distraí no tempo e não vi que ele mudou. Acabei brigando com o vento que levou as cortinas prá fora da minha janela. No alto da minha cabeça os véus dançaram e zombaram de mim a tarde inteira quando com mãos de agonia tentei segurar os passos dessa dança. Desisti de me importar com o vento, acalmei minhas mãos e saí da janela.
Voltei para as ameixas ainda duras, porém, lindas na cor da casca. Não resisti e peguei a mais redonda.
À primeira mordida senti aquela dorzinha fina atrás da orelha, salivei lágrimas na minha garganta apressada ao sentir o gosto da antecipação, e os meus olhos salivaram na claridade que entrava pela porta da cozinha e incidia sobre elas um vermelho diferente, um pouco mais quente na tarde que passava lenta.
Deixei num canto a ameixa com a marca dos meus dentes e voltei à janela. As cortinas estavam lá quietas e eu me senti mais velha.
Fiquei muda matutando no tempo. Eu e as ameixas, ficando maduras.