LUDO, UM SÃO BERNARDO
Chamava-se Ludwig Van Beethoven, mas foi apelidado de Ludovico e, em seguida, passou a ser chamado pelas crianças apenas de Ludo. A história começa com um filhote de São Bernardo, presenteado aos filhos pequenos por um amigo, o que foi, em um primeiro momento, comemorado por todos mas que se revelaria, uns poucos meses depois, uma verdadeira tragédia diante do fato de que moravam, pai, mãe e dois filhos, em um pequeno apartamento de dois quartos. O cachorro, com toda a energia de um filhote, cresceu em um ritmo assustador, atropelando a tudo e a todos, destruindo móveis, tapetes, cortinas, roupas, calçados, brinquedos e tudo o mais que seu desajeitado corpanzil encontrasse pelo caminho.
Foi quando ele passou a fazer parte de nossa vidas: como tínhamos uma propriedade rural e nosso amigo conhecia o apego de todos aqui em casa pelos animais, solicitou, diante de sua iminente expulsão do condomínio, da revolta de centenas de vizinhos e da própria paz familiar, que aceitássemos ficar com o Ludo, por uns dois ou três anos, até que ele construísse uma casa que ainda estava apenas no projeto inicial.
Levá-lo até o seu novo lar, uma viagem de uns sessenta quilômetros, foi a primeira amostra do que iríamos enfrentar mas também a comprovação de que estávamos encontrando um grande, fiel e carinhoso companheiro que faria valer a pena cada momento mais difícil que pudéssemos ter dali em diante. Além dos pequenos e inevitáveis estragos no estofamento do carro, fomos apresentados nesse dia à maior língua já vista em um exemplar da raça canina, com sua incomparável máquina de produção de saliva que se tornaria o seu cartão de visita sempre que quisesse agradar alguém: uma lambida descomunal que quase afogava o escolhido para os seus agrados.
Seu entrosamento com os demais cachorros foi um pouco difícil pela dificuldade daqueles pequenos seres (chihuahuas, beagles e vira-latas) entenderem que se tratava de uma animal da sua própria espécie e não de um ser estranho talvez em um nível mais alto da cadeia alimentar. Com o tempo foram se tornando parceiros, os menores sempre tratados com toda paciência pelo amigo gigante exceto em momentos muito pessoais como na hora da comida onde não admitia que ninguém sequer cheirasse o seu prato sob pena de ouvir um rosnado tão assustador que fazia recuar mesmo os mais atrevidos e audaciosos.
Passou a acompanhar os demais cachorros em breves caçadas a preás, lagartos e outros pequenos animais. Após algumas experiências não muito agradáveis, como o desastrado ataque a um ouriço ou o inusitado e feroz contra-ataque de um ratão do banhado, tornou-se um razoável cão de caça voltando quase sempre com algum troféu de suas incursões por brejos e banhados.
Como uma das tarefas dos cães era, quando necessário, trazer o gado para a mangueira, aprendeu rapidamente mais esse ofício e demonstrava incomum agilidade quando uma rês mais afoita tentava escapar. Impunha-se com a autoridade que seu tamanho lhe conferia, concluindo sua parte no serviço com muita competência, cuidando sempre para não machucar aqueles animais que às vezes voltavam-se furiosos contra ele, ameaçando-o com chifres e cascos afiados.
Tornou-se adulto e mais calmo, exceto naqueles momentos em que chegávamos da cidade nos finais de semana quanto, então, extravasava sua alegria pulando com as patas dianteiras no peito de cada um e deixando sua inconfundível e gigantesca lambida em roupas e rostos, ouvidos surdos para nossos protestos e rejeições.
Passados alguns anos, seu dono veio buscá-lo com um reboque apropriado para conduzir um animal daquele porte, e sem qualquer possibilidade de negociarmos a sua permanência. Para nosso pesar, teve que ser arrastado para o veículo que o conduziria, disposto a tudo para não ir embora. Aqueles olhos enormes, parecendo implorar para que fizéssemos alguma coisa, ficaram como última visão daquele gigante bonachão, às vezes desastrado, mas zeloso e fiel amigo daqueles memoráveis e felizes anos.
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