Televisão em foco

Diria que noventa e nove por cento da programação televisiva fica perfeita sem som. Há quem acredite nas novelas como parte integrante da melhoria social. Otimisticamente falando o sujeito que vê importância social nas novelas deve olhar para as mãos sonhando onze dedos. Para não ferir suscetibilidade pode ser algo suavemente intelectual para os apaixonados pelas facilidades da vida, nesses casos vamos analisar o cerne de todas as novelas:

- Torpina você ama o objeto errado.

- Sim, Peste. Amo o teu irmão podre de rico.

- Mas acabará comigo.

- Você diz isto para ficar com a fortuna de meu tio.

- Há uma coisa que você não sabe. (Pausa solene) Eu sou mulher.

- Não. Isto não! Pois há uma coisa que você não sabe também: eu sou hamster.

- O quê? Fiz sexo com um hamster?

- E agora? Com quem você está ficando?

- Ficarei com as ações de mamãe mesmo desvalorizadas.

- Mandei investigar. Sei que está ficando com um cara pela web-can.

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No fundo as tramas recaem sobre o total policiamento no que diz respeito a liberdade amorosa.

Devia ser assim:

- J. Carlos, podemos conversar sobre o seu relacionamento com Éster.

- Sim. Conheci essa mulherona, uma gostosura. Sei que estamos casados, mas...

- Vamos economizar fórum, traga ela para casa esta noite.

- Se ela desgrudar do Alcides, até podemos sair juntos.

- Podemos nos reunir e conversar. Pense no lucro, numa novela convencional você a mataria.

- Sim, trucidaria. Você fica com nós duas que nós limpamos a casa, assim quando você cair no futebol não ficarei sozinha.

- Ótimo. Depois no Xingu isso não é problema.

- As regras nem sempre valem para todos.

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Sei que as novelas estão aos poucos alcançando o seu último suspiro de mesmice até no seio maltratado das camadas populares. Os filmes piratas estão vencendo a batalha cultural e metendo novas idéias na alma comum, por isso são tão combatidos, contudo o que mais apavora é a quantidade de gente inteligente, culta, erudita mesmo, produzindo ilusões de baixo nível. São atores, magníficos, verdadeiros magos da dissimulação dando aulas de dissimulação. Logo a educação está decaída porque não é mais necessária subjetivamente. Para que serve educação diante da televisão? Para que serve quando acabamos de ler Camus, Sartre? Serve para esquecer Camus ou Sartre. Para que serve a televisão após o exaustivo trabalho do professor que desejou enfiar na cabeça dos tontos um pouco de recheio reflexivo?

- Para que serve o noticiário?

O noticiário é sensacional. Manchete:

“Amanhã não esqueçam de pagar o imposto da cadeira que você está sentado”. Em seguida: “Hospitais públicos estão morrendo e se você está ferido talvez esteja acabado”. Omissão: Impostos servem para pagar hospitais públicos. A omissão do mérito informativo cria uma população de idiotas com a grande cobertura e em seguida: "Grêmio ganha do Canoas por um a zero". Dane-se o imposto sobre a cadeira e o hospital pedindo socorro. Pronto. Desliga-se a televisão e está tudo bem.

Eis a grande informação cotidiana.

Talvez nem isto porque na maior parte das vezes o que vemos é a severa unilateralidade de princípios. Cada vez que ligo a caixinha iluminada observo gente riquíssima discutindo subjetividade ás lágrimas. A vida boa parece um inferno. Portanto acabou a pobreza soterrada sobre a imagem harmônica do luxo.O melhor é assistir sem som. Vou revelar algo apavorante: Pornografia chega a ser algo realmente produtivo diante da grande maioria dos programas televisivos, principalmente o “Baita brother” sem áudio.

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Manchete

Ainda ganho um dinhierinho com os anúncios aí do lado.

Tércio Ricardo Kneip
Enviado por Tércio Ricardo Kneip em 24/01/2011
Reeditado em 24/01/2011
Código do texto: T2748938
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