O Papa
e o advogado do diabo
Gosto de enviar cartões-postais.
É uma boa maneira de mandar mensagens fugindo do Messenger ou do e-mail. E ainda com direito a assinar; usar pontos de interrogação e admiração; e quando necessário, lançar mãos das eloquentes reticências...
Uma amiga me dizia outro dia que usou muito cartão-postal no envio de suas declarações de amor.
Casou, e, até hoje, guarda, numa caixinha grená, centenas de cartões trazendo no verso, num manuscrito apaixonado, suas mais belas juras de amor ao seu falecido marido. Para sorte sua, seu marido teve o mesmo cuidado de também guardar os cartões que dela recebia.
Nos primeiros dias deste mês - e já devia ter escrito sobre isso -, recebi de uma colega, que passa uma temporada em Roma, um cartão-postal da Praça de São Pedro, com a Agulha de Cleópatra em primeiro plano.
A Agulha de Cleópatra. Para os que ainda não sabem, é aquele lindo obelisco que, desde 1585, é o mais importante monumento da praça do bispo de Roma.
Só vendo-o pessoalmente a gente pode avaliar sua imponência e magnitude. O monólito de granito mede 25 metros de altura, pesa mais de 320 toneladas, e tem uma longa e milenar história, desde a sua origem egípsia.
Nas minhas visitas a Roma, sempre me deixo fotografar ao lado do secular obelisco que enfeita a praça principal do Vaticano.
E, enquanto o admiro, de duas coisas eu me lembro: do Papa Sisto V e - pasmem!- do Advogado do diabo.
Sisto V, que reinou de 24.4.1585 a 27.8.1590, teve seu perfil definido por R.A.Scott, in Basílica de São Pedro - Esplendor e escândalo na construção da catedral do Vaticano, da seguinte forma: "Os olhos miúdos e argutos, como contas de chumbo, e o nariz adunco como um gavião conferem a seu rosto uma expressão de predador."
Mas de predador, Sisto V tinha, ao que me parece, muito pouco. A ele, segundo os cronistas da época, deveu-se a modernização e embelezamento da Cidade Eterna. Por causa disso ele ganhou o título de "Pai da Roma moderna".
Sisto V, um pontífice franciscano, nascido Felice Peretti, não transigia com a bandidagem. Chegou a afirmar: "Enquanto eu viver, todo criminoso terá que morrer." Admitindo, por conseguinte, a pena de morte.
Pois bem. Foi ele quem, numa decisão corajosa, deslocou para a Praça de São Pedro a Agulha de Cleópatra. Uma operação que Michelângelo chegou a admitir como "uma tarefa impossivel".
E nessa linha que o identificava como um papa durão, de repente ele criou o cargo de Advogado do diabo.
O Advocatus diaboli funcionava nos processo de canonização, enfrentando o Promotor Fidei.
O Promotor da Fé defendia o candidato a santo enquanto do Advogado do diabo "argumentava contra". E por conta ou em consequência desse embate, poucos eram elevados aos altares.
Observe o leitor, que apesar de se ter como "nova" a figura do Advogado do diabo, quando se quer tipificar o causídico intransigente, contundente no exercício do seu Oficio de acusar, ela vem de muitos séculos, e foi criada pela Igreja de Roma.
E só desapareceu do Vaticano, em 1983: João Paulo II não hesitou em extinguir o temido cargo, até então atuante nos processos de canonização.
A partir daí, nunca foi tão fácil alguém ser declarado santo. O próprio papa Karol Wojtyla cananizou mais do que qualquer outro pontífice.
Se por um lado a chegada de mais santos nos altares aumenta o número dos nossos intercessores no Céu, por outro, corre-se o serio risco de se ter que venerar pessoas que chegaram à santidade com a ajuda generosa do Vaticano, que é dirigido por homens.
Uma coisa, porém, me parece certa: sem a presença do Advogado do diabo a gente pode alcançar mais facilmente as delícias da Corte celestial. E isso, sem dúvida, me enche de esperança...
e o advogado do diabo
Gosto de enviar cartões-postais.
É uma boa maneira de mandar mensagens fugindo do Messenger ou do e-mail. E ainda com direito a assinar; usar pontos de interrogação e admiração; e quando necessário, lançar mãos das eloquentes reticências...
Uma amiga me dizia outro dia que usou muito cartão-postal no envio de suas declarações de amor.
Casou, e, até hoje, guarda, numa caixinha grená, centenas de cartões trazendo no verso, num manuscrito apaixonado, suas mais belas juras de amor ao seu falecido marido. Para sorte sua, seu marido teve o mesmo cuidado de também guardar os cartões que dela recebia.
Nos primeiros dias deste mês - e já devia ter escrito sobre isso -, recebi de uma colega, que passa uma temporada em Roma, um cartão-postal da Praça de São Pedro, com a Agulha de Cleópatra em primeiro plano.
A Agulha de Cleópatra. Para os que ainda não sabem, é aquele lindo obelisco que, desde 1585, é o mais importante monumento da praça do bispo de Roma.
Só vendo-o pessoalmente a gente pode avaliar sua imponência e magnitude. O monólito de granito mede 25 metros de altura, pesa mais de 320 toneladas, e tem uma longa e milenar história, desde a sua origem egípsia.
Nas minhas visitas a Roma, sempre me deixo fotografar ao lado do secular obelisco que enfeita a praça principal do Vaticano.
E, enquanto o admiro, de duas coisas eu me lembro: do Papa Sisto V e - pasmem!- do Advogado do diabo.
Sisto V, que reinou de 24.4.1585 a 27.8.1590, teve seu perfil definido por R.A.Scott, in Basílica de São Pedro - Esplendor e escândalo na construção da catedral do Vaticano, da seguinte forma: "Os olhos miúdos e argutos, como contas de chumbo, e o nariz adunco como um gavião conferem a seu rosto uma expressão de predador."
Mas de predador, Sisto V tinha, ao que me parece, muito pouco. A ele, segundo os cronistas da época, deveu-se a modernização e embelezamento da Cidade Eterna. Por causa disso ele ganhou o título de "Pai da Roma moderna".
Sisto V, um pontífice franciscano, nascido Felice Peretti, não transigia com a bandidagem. Chegou a afirmar: "Enquanto eu viver, todo criminoso terá que morrer." Admitindo, por conseguinte, a pena de morte.
Pois bem. Foi ele quem, numa decisão corajosa, deslocou para a Praça de São Pedro a Agulha de Cleópatra. Uma operação que Michelângelo chegou a admitir como "uma tarefa impossivel".
E nessa linha que o identificava como um papa durão, de repente ele criou o cargo de Advogado do diabo.
O Advocatus diaboli funcionava nos processo de canonização, enfrentando o Promotor Fidei.
O Promotor da Fé defendia o candidato a santo enquanto do Advogado do diabo "argumentava contra". E por conta ou em consequência desse embate, poucos eram elevados aos altares.
Observe o leitor, que apesar de se ter como "nova" a figura do Advogado do diabo, quando se quer tipificar o causídico intransigente, contundente no exercício do seu Oficio de acusar, ela vem de muitos séculos, e foi criada pela Igreja de Roma.
E só desapareceu do Vaticano, em 1983: João Paulo II não hesitou em extinguir o temido cargo, até então atuante nos processos de canonização.
A partir daí, nunca foi tão fácil alguém ser declarado santo. O próprio papa Karol Wojtyla cananizou mais do que qualquer outro pontífice.
Se por um lado a chegada de mais santos nos altares aumenta o número dos nossos intercessores no Céu, por outro, corre-se o serio risco de se ter que venerar pessoas que chegaram à santidade com a ajuda generosa do Vaticano, que é dirigido por homens.
Uma coisa, porém, me parece certa: sem a presença do Advogado do diabo a gente pode alcançar mais facilmente as delícias da Corte celestial. E isso, sem dúvida, me enche de esperança...