Saudade da bagunça

É engraçado como a gente passa anos, às vezes uma vida inteira, criticando coisas, e quando elas nos faltam, sentimos uma enorme tristeza. Foi assim no último final de semana, quando minhas meninas voltaram para a casa, após um período pequeno (mas extremamente gostoso) em férias comigo.

Eu chegava em casa e a primeria coisa que via (depois delas no computador, é claro) era um monte de coisas fora do lugar, pratos e copos devidamente esquecidos na pia e cosméticos por toda a casa.

Mas recebia um abraço e um "Oi, pai!" maravilhosos.

Eu acho que 'Oi, pai!" era uma espécie de senha para que eu ficasse paralizado, mas não irritado. Ou então, era uma expressão idiomática, que traduzida queria dizer "desculpa aí pela bagunça", ou "briga não, tá" ou, ainda, um preâmbulo para o que eu veria depois. Pois é, aquele "oi, pai!" tinha um poder e tanto.

Eu sorria e perguntava como foi o dia e elas me respondiam sorrindo também: "tudo bem!" Meninas felizes, brincalhonas e bangunceiras. Mas o tal do "oi, pai" destruía a minha capa dura de enciclopédia e lá ia eu, mesmo cansado, após o banho, lavar pratos, juntar coisas e dizer a elas que tivessem mais cuidados, que meninas são mais organizadas que homens e essas coisas.

Pela manhã, preparava carinhosamente o que iriam comer no almoço. Comidinha fresca e apenas um item ou outro para aquecerem no microondas, ou um bife à milanesa para passarem na frigideira. Modéstia à parte, cozinha é comigo.

Mas, ao retornar do trabalho via o quarto delas com sapatos e mais sapatos... Deus do céu, quantos! Uma mulher já tem sapatos demais... duas!! E lá vinha o tal do "oi, pai!" acompanhado daqueles sorrisos das duas queridas adolescentes, lindas e adoráveis. E, novamente, eu ia consertar as coisas.

Esse "oi, pai" tem um poder absurdo. Bronca? Como, diante de dois lindos sorrisos que eu não via há dois anos?

Consegui impôr um pouco de organização na coisa, mas nunca as criticava. Procurei fazer com que se sentissem com um pai, não com um carrasco que não viam há tempos e que as pudesse assustar em um mês de convivência. Se assim se sentissem, poderiam não voltar nas próximas férias.

Bem, parece que funcionou. Duas semanas depois, casa arrumada, sapatos no lugar e sem um grito, uma bronca, uma observação que não fosse pertinente (e feita carinhosamente). E o mesmo "oi, pai". Bem, agora, sem a bagunça - um pouco menor, reconheço - que havia.

Hoje, dois dias depois de terem voltado para a casa da mãe, em outro município, eu sinto saudade da desordem do quarto, coisa que eu tanto criticava antes, mas com a qual aprendi a conviver e, embora não aceite ainda, convivi sem maior estresse. Não doeu.

A casa ficou vazia novamente. Faltam dois sorrisos, dois beijos, dois pares de braços a me receberem, depois da chegada do trabalho. Já estou com saudade da bagunça, mas com certeza, o que mais me faz falta hoje é aquela coisa que me fez feliz nesses últimos 30 dias:

o tal do "Oi, pai!"

Bevê
Enviado por Bevê em 24/01/2011
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