Lastimáveis Relatos de Boteco

Durante todos os dias da semana, acordei com a sensação de ressaca. Sede, dor de cabeça, um quê de tontura e enjôo - isso sem ter bebido nada, nadica de nada. Sábado saí e tomei uns golezinhos de leve. Suficientes para me proporcionar aquela leve euforia de bêbado. Domingo, preconizando uma ressaca tamanho GG, acordei normal. Só que acordei às duas da tarde e a primeira coisa que fiz foi mandar uma mensagem pro João, chamando pra ir curtir um botequinho bacana que fomos em outra ocasião. Liguei o computador, escovei a lata e preparei o café da manhã: um pão francês com manteiga, um pedaço de broa de milho com manteiga e um copo de café com leite. Entrei na internet e dei o salve no Porco e no Carneiro. Cerca de três horas depois, estávamos no tal botequinho.

Os três, de certa forma, haviam almoçado. Eu, não.

Pedimos aquela linda porção de churrasco acebolado, que é acompanhada de uma cesta de pães assados com alho que é divina, e um balde de cervejas. De um tipo de cerveja que tem um teor alcoólico um pouco avantajado se comparado às demais e tradicionais, diga-se de passagem. Pedi pro garçom adiantar a cestinha de pães pois eu já estava com fome e, bem, começar a beber naquela situação provavelmente daria problemas.

Bela constatação.

Os pães chegaram com a porção de cebola achurrascada. Um balde de cerveja depois.

- Pôxa, esqueci de adiantar os pães, foi mal - disse-me o garçom.

Fui com afinco nas carnes e cebolas. Comi, como se não houvesse amanhã. Só que a porção veio reduzida e estávamos em quatro mortos de fome e logo ela acabou. Assim como a porção de batatas que demorou cerca de uma hora pra chegar. E a cerveja rolando, sempre gelada.

Aluguei o celular do Carneiro e fiquei parasitando na internet. Lendo uma coisa ou outra e prestando atenção na conversa de meus amigos e também nos rabos-de-saia que circulavam pelo nobre recinto.

Fiquei um bom tempo com a cabeça abaixada redigindo algumas coisas que me ocorreram, no meu celular, e, quando levantei-a, vi que alguma coisa estava diferente.

Não conseguia colocar foco no copo cheio que estava na minha frente. Esvaziei-o para ver se melhorava. Não adiantou. Esvaziei o próximo e também não adiantou.

De repente, levantar a cabeça tornou-se algo insuportável. Ânsias e tonturas dominavam meu ser assim que erguia a cabeça. Sendo assim, percebi que mantendo a cabeça baixa, conseguia me livrar daquele pequeno pedaço de inferno sensorial em que eu me encontrava.

Ciente da minha lástima perante à todos, vivenciando algo que acho deselegante ao extremo, debrucei a cabeça sobre meus braços. Um sono quase divino me tomou os sentidos. Ouvia a conversa da mesa dos meus amigos. Acompanhava os raciocínios, dava risada com alguns comentários. Só que na hora de levantar a cabeça pra dar alguma opinião, o ambiente girava, girava, girava e uma vontade de vomitar longínqua dava sinais.

Merda.

Pedi um refrigerante pro garçom, jogando a toalha branca para os demais, abdicando ao líquido oriundo do lúpulo.

Não consegui tomar mais do que dois goles do refrigerante por conta da náusea. Continuei com a cabeça baixa e comecei a suar frio. Continuava ouvindo a conversa e dando risada e levantando a cabeça pra olhar alguma deusa que passava quando meus amigos emitiam algum dos nosso dialetos para tal finalidade e sinalização.

Depois de certo tempo, julguei-me capaz de ir até o banheiro e enfiar o dedo na goela e acabar com aquela frescura. Levantei e fui até lá. Entrei, fechei a porta atrás de mim e fiquei esperando alguma coisa acontecer. Tenesmos me assaltavam o corpo. Uma cagada salvaria minha pele, no entanto, não havia papel ali. E pelo borbulho intestinal seria daquelas merdas de cerveja, moles, pegajosas, que deixam o papel totalmente sujo e pesado. Deselegante. Apertei o olho do cu e tentei mijar. Nada. Pensava que qualquer coisa que fosse excretada do meu corpo aliviaria algumas das minhas penúrias etílicas. Como não houve urina, merda ou vômito, percebi que estava melhor. Percebi isso me apoiando nos cantos daquele cubículo, não conseguindo me manter em pé. Eis aí, o que um aspirante a escritor ganha da vida!

Saí do banheiro e me deparei com um japonês. Ele estava mais na urgência do que eu, pensei, na ocasião, pois durante todo o tempo que permaneci no banheiro o filho de uma boa mãe bateu na porta umas trinta vezes.

Parei na pia e me olhei no espelho. Tudo continuava girando. Na minha face, feia como sempre, nada de anormal. Lavei as mãos e o rosto, confiante de que estava bem.

Aham, Cláudia.

Saindo da pia, dirigi-me à mesa de meus amigos. Chegando lá, fui assaltado por uma ânsia de vômito virulenta, inclemente e bem-sucedida em seu intento, ao ponto de eu ter que tapar a boca com as mãos e voltar correndo pro banheiro.

Fechei a porta atrás de mim, ajoelhei e a coisa veio forte, abundante e vermelha. Ah, vocês devem saber do que eu estou falando! Eu não sei muito bem, pois é a minha primeira vez. Após a primeira vomitada de líquido vermelho e azedo, vieram mais duas, tão fortes e abundantes quanto a primeira. Devo ser idiota, pois por dentro dava risada da minha situação lastimável: ajoelhado num banheiro de bar, abraçado à latrina vomitando cerveja. Que aquelas garotas da mesa ao lado que bebiam tanto quanto a gente pensariam de mim?

Foi aí que notei que do meu lado esquerdo havia papel higiênico. E notei também que eu havia levantado a tampa do vaso sanitário pra despejar a pouca comida e muita cerveja que eu havia ingerido durante o dia. Um verdadeiro cavalheiro. Peguei o papel e limpei a pouca sujeira que ficou nas bordas da privada, dei algumas descargas, levantei e dei uma olhada no serviço. Impecável! Digno de um empenhado e motivado faxineiro. Talvez essa fosse a minha nova profissão, já que, né, tá foda de arranjar um emprego bacana.

Senti-me como novo. Como se houvesse percorrido um longo trajeto correndo e ainda tivesse fôlego pra encher duas lajes, puxar ferro e transar com duas ninfomaníacas na seqüência. Voltei a ser um homem.

Saí do banheiro e o Carneiro estava lá, com cara de preocupado me esperando. Ao lado dele, um carinha e duas loiras maravilhosas. Elas reclamavam de alguma coisa e olhavam pra mim dando risada. Eu sorri também.

Só depois, lavando a mão, que percebi que havia vomitado no banheiro feminino.

Desculpa, meninas, mas o tempo urgiu e o estômago rugiu.

Depois do episódio do banheiro, tudo ficou bem. Pagamos a conta e subimos a rua sob uma garoa chata.

Nos três metrôs que pegamos foi um verdadeiro martírio ir contra a vontade de vomitar de novo. Fiz o que pude, tentando pensar nas coisas mais aleatórias possíveis - e sem resultado. Descobri que mantendo a cabeça abaixada conseguia me sentir melhor. Ocorreu-me que ao olhar pra baixo e me sentir melhor estava selando algum tipo de pacto silencioso com o diabo.

Foda, né?

Depois dessa devo rever algumas coisas, pois odeio passar mal por aí, e por nada.

Ou acordar mais cedo e tomar um café da manhã reforçado.

E não quero nem ver a ressaca que vai me abraçar amanhã...

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 24/01/2011
Reeditado em 24/01/2011
Código do texto: T2748312
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