Quando a dor derrama-se pelo olhar...
 
               Eu sempre fui fascinada pelo olhar. Gosto de observar as pessoas através dos olhos. A fala do olhar, mesmo quando silenciosa, diz muito mais sobre o que sentimos do que as palavras conseguem expressar. 
 
               Há pessoas que sorriem com os olhos e iluminam todo o ambiente com sua luz. Há olhos sombrios, carregados como nuvens que anunciam tempestades. Há olhos silenciosos, que carregam segredos/medos. Há olhos ternos, apaixonados, mudos, alucinados.  
 
               O mesmo olhar, em momentos distintos, pode expressar dor e/ou alegria. Hoje quero (ou seria preciso?) falar de olhares que me marcaram pela dor. Que cravaram um espinho em minha alma. 
 
               Apesar de passados dezenove anos, eu nunca esqueci o olhar de angústia de meu cunhado, no momento que o vi morrendo. Era um olhar carregado de medo e desespero. Quando cheguei perto dele a sua expressão atravessou o meu olhar e meu ser silenciou diante daquele homem que agonizava, quase sem vida, em meus braços. 
  
               Durante muitos dias aquele olhar me perseguiu. Depois, outro olhar atingiu-me como uma navalha afiada – o de meu filho quando estava em coma. Um olhar vazio. Perdido. Um olhar que fazia meu peito transbordar de dor.

               Quando papai ficou doente, o que mais me marcou foi seu olhar no momento em que recebia a extrema-unção. Eram olhos de súplica. Um olhar que parecia não ver, mas que buscava, desesperadamente, a luz da vida. E encontrou. 

            
               O último olhar que vi transbordando de dor foi o de meu esposo quando carregava o caixão de seu filho. Seus olhos se pareciam com dois profundos lagos de sofrimento. A ausência das lágrimas, travadas em seus lábios cerrados, tornava sua expressão ainda mais dolorosa.  


               Quando ele saiu do lado dele, após o sepultamento, seu rosto era uma tatuagem de dor capaz de calar qualquer tentativa de consolo. Quando o abracei, seu corpo estava rígido e frio como mármore. Só a respiração ofegante denunciava que ele estava vivo.  

 
               Estes olhares, marcados em mim, vez por outra  saem dos arquivos da memória e povoam meus pensamentos. 
 
               Talvez por ser janeiro, aniversário de morte de meu cunhado (13/01), ou por hoje ser 23 - dia que Michell -, se ainda estivesse entre nós, faria 29 anos, eu tenha amanhecido pensando em todos eles.  
 
               Janeiro é, também, mês de festa. Festa do padroeiro de minha Caraúbas, festa de aniversário de Omar (17/01) e de meu filho caçula (25/01). 

               Este era um período muito festivo para todos nós, mas, este ano Omar não quis comemorar seu aniversário, segundo ele, ainda não há clima para festa em seu coração. Também não faremos festa para Saulo.  

 
               Apesar da tristeza que estas lembranças trazem, a vida pede licença e nos faz lembrar que, apesar da dor das perdas, é preciso secar as lágrimas e seguir em frente.  
 
               Talvez por isso, Anne Sofia – filha de meu sobrinho Fablo – tenha escolhido este mês (18/01) para nascer e Hugo decidido confirmar seu amor diante de Deus e dos homens (14/01)
 
               Meu pedido a Deus, neste dia, é que cuide daqueles que nos deixaram, sare as feridas dos que ficaram e faça com que nosso olhar não perca, nunca, a capacidade de sorrir e sonhar....




Foto: Imagens das pessoas citadas no texto, no sentido anti-horário Hugo e Juliana, no dia do casamneto, acima Michell, Papai, Anne Sofia, Omar, Antonino (meu cunhado), Omar Jr. e Saulo...






Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 23/01/2011
Reeditado em 23/01/2011
Código do texto: T2747757
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