De um vendedor de sonhos
Estava sem fazer nada numa certa tarde ensolarada num fim de semana qualquer, quando me deparei com um livro que ganhei no meu último aniversário. Folhas vão, folhas veem e que surpresa agradável ao ler as primeiras páginas daquele magnífico exemplar com lindas cores de capa.
O conteúdo em primeira análise tratava de um tema tão óbvio que qualquer mortal poderia dizer que o leitor que o elogiasse estaria depondo contra si mesmo, na sua íntima essência de ser humano.
Alguém pode adivinhar que tipo de livro é esse? O conteúdo (vindo para o presente) é o próprio ser humano, ou seja, a capa que todo o ser humano veste para sair de casa, para ir ao teatro, para ir ao fórum, para ir ao local de trabalho, enfim, para ir de maneira formal a qualquer lugar onde outras pessoas estarão lá com suas capas pretas, roxas, brancas e azuis.
Lógico que essa capa preta só está disponível para quem se acha acima de qualquer suspeita, ou, para quem se acha acima dos outros em face do posto que assuma na empresa, do lugar que desfruta na sociedade ou do teatro que defende na universidade ou da roupa utilizada nos eventos sociais.
Confesso que fiquei impressionado positivamente, mesmo sabendo ser um dos atingidos, com a clareza e objetividade de um tema tão controvertido, mas, considerado o calcanhar de Aquiles por todos nós.
Ao mesmo tempo em que o livro considera a todos no mesmo nível, a partir do momento em que a personalidade ainda está se formando, independente de classe social, exclui deste ritual aquele indivíduo que vai a alguns lugares onde a tal capa preta não se aplica... (pelo menos explicitamente). Melhor explicando: constata que uma simples ida ao cinema, ao estádio de futebol, ao teatro e a outros eventos onde o foco não seja o eu presente, mas o eu ausente, a capa parece estar enrolada ou amarrada em algum lugar muito seguro.
Este fato é até um pouco curioso, porque até mesmo os encapuzados da capa preta quando vão se divertir em determinado lugar dentro da sociedade, por segundos, deixam a capa na entrada do local de divertimento, porém, ao serem pegos por um olhar de outra pessoa mais atenta à sua figura de ser mortal, rapidamente coçam o pescoço e soltam um pigarro carregado de ânsia e rancor, dizendo:
- Mas que sujeito atrevido é esse? Quem ele pensa que é ao me olhar assim desse jeito?
Exatamente assim é que eles se comportam, “diz o livro”. Não conseguem atenuar o rosto enrugado, não conseguem deixar que os olhos sigam o movimento da mente, sim, daquela mente leve e desajuizada que está ali simplesmente para fugir do cotidiano. Por vezes indagam a si próprios...
- Será que ele sabe quanto eu ganho? Olha só a roupa dele, parece mais um morto de fome...
É cômico e ao mesmo tempo trágico, um cidadão estar presente a um local público de divertimento em massa e não conseguir desvencilhar-se de seus rancores e de sua capa colorida e quando se veem descobertos sentem-se apequenados ou inferiores como formigas num galinheiro.
Bem, isso é o que diz o livro e eu estou apenas começando a lê-lo e já declaro simpatia com o tema, mas...
(continua depois......)