A memória do que não vivi
Foram vários os momentos em que apanhei-me caminhando com passos perplexos e ausentes – despretensiosamente tentando compreender o que as pessoas fazem das suas vidas.
Olhando para a multidão que caminha à minha contra-mão, passos apressados e olhos no nada, não é difícil notar o contraste que causam meus passos vagos e meus olhos no chão. Enquanto sigo meu caminho, acontecimentos banais sucedem-se ininterruptamente. A impressão que me vem é a de que as pessoas desaprenderam a viver, tornaram-se todas “coisas”, produtos industrializados, tendências globais, copistas, peças de máquinas de um sistema caduco.
Não tenho idade bastante para dizer que antigamente era melhor, mas as imagens de fotografias e as velhas histórias contadas pelos meus avôs e pelos escritores dos meus livros preferidos dizem que sim.
Os ditos humanos do século XXI perderam a capacidade de sonhar, de imaginar e principalmente de acreditar um nos outros. Os dias são avassalados por atos competitivos, gananciosos, onde os valores já não importam mais. Tempos em que ser sincero é sinônimo de inocência, enquanto a estupidez triunfa como adjetivo aos dotados de uma distinta sagacidade. Tempos em que o “ter” há muito sobrepujou, esmagou e desfaleceu o “ser”. Tempos de não-pessoas. O tempo passa, corre, acaba e só. E o amor? aquele sentimento eterno que enfrenta tempestades e nunca estremece? O anseio que segundo Shakespeare não é enganado pelo tempo, mesmo que lábios e faces rosadas sofram os efeitos de seu compasso poderoso? que não se altera com o breve passar de horas e semanas, mas resiste a tudo, até o limiar da eternidade, aonde foi parar? ah o amor, esse sentimento jurássico da época dos nossos ancestrais já não existe mais. Transformou-se em mercadoria descartável, cobrado, que pode, estranhamente, ser comprado e, por conseguinte, substituído, como tem indicado a rotatividade das relações amorosas. Assim como os produtos perecíveis nas prateleiras dos supermercados, os relacionamentos vêm com data de validade. O mal do nosso século é o amor que não ousamos dar a oportunidade de se solidificar.
É um desaforo pedir desculpa porque lembra submissão. É um disparate aceitar uma mudança porque soa como falta de personalidade. É um despropósito pensar pelo outro porque é autoritarismo. Quem merece ser cobrado se antecipa e cobra por ser cobrado. Não dá para fazer uma crítica que é o mesmo que não gostar. Contrariar é desrespeitar. Desejar ficar mais junto é tirar a liberdade. Vejo muita afetação e pouco afeto. A maioria somente procura o melhor para si, não para o relacionamento. Os encontros são mais coincidências do que verdade.
Não creio ser uma menina que saiba. Tenho sido sempre alguém que busca, mas quando comecei a ouvir os ensinamentos que meu sangue murmura em mim e deixei de buscar o amor nas estrelas e nos livros, dei-me conta do quão desagradável tem sido minha história até aqui. Todas as poucas vezes que acreditei ter encontrado alguém para amar – em todos os sentidos que essa palavra significa, as coisas ficaram completamente fora do lugar. Perdi-me de mim mesma. Os ares de quem vinha para ficar, na verdade, eram apenas para marcar o irremediável início dos passos de ida. Eles nunca estiveram onde realmente ficavam, e, inteiros, eram apenas na saída. O que eu recebia em troca do meu sentimento mais bonito, não era amor, pois, partidos, quando vieram, eles eram apenas, ensaios de adeus.
Mas, na plenitude dos meus 20 anos, acredito que sim, algum dia, não antes de tarde demais, irei entender que as danças não foram em vão, e eu conjugarei minha alma junto de alguém que, acredite no verdadeiro amor, como se fosse ele próprio uma espécie em extinção e eu, a única possibilidade do milagre. Dormiremos de mãos dadas para protegermo-nos e acolher-nos-emos um nos braços do outro. Promoveremos festas de dois ao pôr do sol. Ele terá, ocasionalmente, assim como eu, tristezas súbitas em seu coração, só por pensar que poderia não amá-lo mais, mas que não duram mais que um dia, após o qual passearemos de bicicleta e nesse momento, ele jamais duvidará de que, iremos atravessar todas as situações juntos, amando e firmando o compromisso de sermos um.
"Não sei onde será, mas saber de tua vinda, me basta."