SILÊNCIO E NADA MAIS?
Eu era uma menina. Tinha seis anos e desconhecia a morte.
Naquele dia conheceria.
Meu pai me levou até uma residência onde um amigo estava sendo velado. Naquele tempo as pessoas eram veladas em suas casas, pois na terra em que morávamos não existiam velórios.
Eu me lembro bem de tudo que se passou. A casa cheirava a rosas e velas. Nunca esqueci este cheiro e sempre o associei à morte.
No caixão o enorme alemão estava deitado e, eu que nunca o vira deitado, notei como ele era grande.
Estava muito assustada e não tinha controle sobre meus nervos. A morte era uma estranha que mexia com meu estômago, com minhas estranhas, meu coração e minha cabecinha infantil.
Pensava comigo. Por que as pessoas precisam morrer? Ficar dentro de caixões e tantas flores cobrindo o corpo delas? Por que as velas?
Por que o choro das pessoas?
Eu comecei também a chorar. Mas era porque estava com muito medo.
Agarrava a enorme mão de papai e pedia que me levasse embora dali.
Ele tentava me distrair e prometia que logo iríamos. Pegou-me no colo e eu que adorava o colo dele, eu que adorava o conforto de seus braços não tinha melhora no meu estado emocional. Queria era ir embora e soluçava alto.
Coitado de papai. Ficava dividido porque ao mesmo tempo tentava me consolar e queria prestar uma homenagem ao amigo de tantos anos. Afinal era sua despedida aqui na terra.
Até hoje me pergunto o motivo dele ter me levado lá. Simplicidade? Afinal eu não estava preparada. Ou teria sido propositalmente porque ele desejava que fôssemos fortes? Mas eu era. Acho que era.
Pensava olhando o morto: A morte é este silêncio? Vai ficar para sempre calado o gigantesco alemão? Nunca mais ouvirei seu vozeirão?
Eu olhava o caixão. Olhava, olhava e chorava.
Vendo que eu não me consolava com promessas, com palavras e nem mesmo com carinhos papai resolveu me levar dali. Colocou-me na bagageira da bicicleta e seguimos para casa. Eu continuava tremendo e pensando no morto tão imóvel e quieto. Não conseguia tirar aquilo da cabeça. O cheiro, minhas reflexões diante da morte...
Por muitos anos eu pensava na morte como algo assustador. O que mais me impressionara fora o silêncio do morto. O silêncio.
À medida que cresci fui criando minhas próprias idéias sobre a morte e sobre o silêncio.