DE ONDE VÊM OS BEBÊS?
Foi de repente. Uma palavra sussurrada retalhou meu ventre e seus olhos ainda brilhavam nos meus. Será que ouvi bem, será que entendi...?
Tanto tempo juntos, tantas alegrias e eis que tudo sangra numa negação. Por que agora se a possibilidade se dissolve no tempo? Por que não me libertar em mim, se ovulo a maturidade com seios fartos...? Por quê?
Ele permaneceu me observando. Ficou quieto com as mãos apoiadas nas pernas, os lábios frouxos encarcerados na ausência do que dizer, quase envergonhado, quase alheio. O silêncio, o olhar inseguro, as mãos presas ao corpo como se escondesse algo ou precisasse se segurar... Tudo tão distante das sensações que conhecíamos. Nossas proezas, nossos portos seguros...
Nove anos... Tantas viagens nos acumpliciaram em pequenas aventuras. Lembro do corpo salgado, do mar turbulento, do frio das montanhas, dos acampamentos... Tantas funções, horários, períodos de desemprego... E sobrevivemos... Sobrevivemos aos nossos limites porque não tivemos coragem de destruir os sonhos juvenis, não tivemos a covardia de envelhecer os descompromissados projetos.
Estar fértil e ter o ventre esvaziado na negação do homem que deixei ser o co-autor do meu futuro. Não o desejei sentir no corpo, perdi a compreensão do prazer... Ele desconstruiu o nós, quando achou que ainda não estava preparado...
Não reconheci meu amante no covarde! Ele permaneceu deitado. Senti raiva ou pena de mim, senti que não mais poderia...
Tenho trinta e seis anos... E hoje sinto a enorme solidão da esterilidade...
“Mas... Quem sabe uma produção independente?”
Parou subitamente, assim como começou. Sua face ganhou novas linhas na tentativa de maquiar suas vivências. Jogou a cabeça de lado com descompromisso. Fingiu sorrir, deixou que a força de se separar inibisse a fragilidade da mulher que confidenciava sua maior tristeza. Desconversou, mexeu os cachos do cabelo e insistiu em afirmar que estava bem.
“Ele é muito mal humorado... Vive reclamando...”
Terminamos o café enquanto ela costurava a cicatriz, justificava sua separação com os pequenos defeitos cotidianos.
“Ele me chamou para sair... Mas nunca mais! Nunca mais!”
“Quero pessoas novas...”
Não sabia o que dizer. Sentia meu ventre também atingido pela afiada arma de um homem desconhecido, meus sonhos a se desfazerem nos desencontros do mundo, a maternidade desarmada sem um motivo justo... Quanta covardia!
Como dizer não depois de tanto tempo? Por quê?
Ainda nos encontramos no fim do expediente. Fingi não lembrar, ela fingiu sorrir... Por instantes, procuramos nos traduzir em diálogos cotidianos.
“Esfriou, não!”
“Muito! Mais uma frente fria...”
Ganhamos a rua em direções opostas. Longe dos seus olhos, pude descontrair o ventre e acariciar minha barriga. Lembrei de alguns movimentos, de sensações que não poderia traduzir, de diálogos que não conseguiria delinear...
No horizonte paralelo, estanquei a ferida e corri para buscar minha menininha na escola. Ela me abraçou e, com o riso malicioso e os olhos ingênuos, disse que a professora ensinou sobre meninos e meninas.
“Cê sabe qual é a diferença?”
Mudavam as estações. Novas instabilidades...
“Manhê, de onde vêm os bebês?”
“Da barri...”
Não pude concluir. Não devemos enganar as crianças...