Heroi sob o vento

Um heroi é um arquétipo milenar. Desde que o ser humano se pôs em pé, encolhia-se como um bicho temeroso a cada trovão, a cada raio, a cada chuva ou ventania mais forte; e aquele da tribo que, por ignorância, cegueira ou surdez, ou até mesmo por vaidade – sentimento que estava apenas nascendo – resolveu enfrentar o perigo (ou ao menos não se mostrou tão amedrontado quanto os demais), foi visto com olhos de admiração por todos. Nascia o primeiro heroi, aquele que viria para proteger, redimir ou acolher os pobres mortais expostos aos mais variados perigos; aquele ser especial que tinha sob sua guarda muitas vidas e muitas esperanças. Ter um heroi, um salvador da pátria, é desejo oculto ou, muitas vezes, escancarado de todo ser humano até os dias de hoje.

Porém um heroi, justamente nestes dias, não é mais aquele que afronta as tempestades , salva donzelas frágeis – até porque inexistentes - ou arrisca sua vida em aventuras pirotécnicas. O perfil do heroi atual se pauta mais pela conduta de sua personalidade forte, decidida e criativa, seu desejo imutável e persistente, sua coragem de transformar situações desfavoráveis, auxiliar o próximo, proteger o que ou quem de fato necessita de proteção e assumir riscos. Tudo isso anonimamente e ainda sem esquecer a felicidade própria - que consiste, justa e concomitantemente, em conciliar esse sentir-se bem com o que faz com o bem estar de outrem, na medida do possível. Porque só se torna um heroi quem consegue fazer bem a quem está ao lado, mas para isso é absolutamente necessário estar bem.

Um heroi é também aquele que se mantém em pé após a mudança dos ventos. Aquele que não volta sua face a favor de sua direção, se esta for contrária a seus propósitos, mas mantém a postura firme e decidida ainda que contra a ventania e os grãos de areia que ela traz consigo e que açoitam sua face. Um heroi, ainda que flexível, não se curva; ainda que tolerante, não se humilha; ainda que compreensivo, não compactua com injustiças. E é por isso os que herois -principalmente em épocas de mudança dos ventos –, salvo raras e honrosas exceções, já não existem.

_________________

Este texto faz parte do Exercício Criativo "Mudança dos Ventos".

Saiba mais e conheça os outros textos acessando:

http://www.encantodasletras.50webs.com/mudancadosventos.htm