Experimentando viver

Quando eu era menor, tinha aquela vontade, quase que desesperada, de viver tudo. Queria sentir a sensação de ter bebido um pouco a mais, de ir até o fundo do mar, de voltar para a casa, sozinha, de madrugada. Queria andar naquele brinquedo do parque que me dava fobia só de ver de longe, queria sentir a dor da tatuagem e de sair se furando por aí. Queria sentir como era tragar um cigarro, objeto de desejo da maioria dos adultos, como era beijar na boca, misturando línguas e saliva, como era tocar em um corpo que não fosse o meu.

Queria experimentar todas as coisas novas possíveis. E experimentei. Experimentei muita coisa que talvez, hoje, não tivesse coragem, tampouco vontade, de fazer de novo. E experimentei o amor. Aquele amor que morria de medo de sentir, que morria de medo de entregar. Mas pensei: por que não provar o gostinho daquilo que todo mundo diz ser uma maravilha?

Não sei como foi, só sei que foi. Foi de uma maneira que pensei que não pudesse existir, senti de uma maneira que achei que não fosse possível. E aquela menina experimentada e autoconfiante se perdeu em meio a tantas sensações e sentimentos novos. Fiquei confusa e, ao mesmo tempo, inebriada de uma alegria estranha, que não sabia definir ao certo o que era e nem como era. Mas era bom demais. E ainda é.

Pela primeira vez na vida, experimentei a maior das sensações que poderia experimentar no mundo: o amor, com todas as suas letras e seus predicados (ou seriam prejudicados?). E descobri que não existe coisa melhor do que dar um beijo com o coração batendo forte, do que tocar alguém com uma vontade louca e descontrolada de possuir esse alguém, do que dizer “eu te amo”, com uma certeza quase que assustadora. Não sabia que esse sentimento chamado amor, desse jeito, simplesmente assim, pudesse existir. Os casais apaixonados, para mim, sempre foram uma farsa. Nota-se que não tive uma infância “daquelas”.

Mas quando sentimos o gostoso da vida, esquecemos do outro lado da moeda. E tudo que é bom, também tem seu sentido ruim. E experimentei, com muito mais dor, a dor das discussões, da insegurança, do ciúme e de tudo aquilo que pertence a um relacionamento com amor. Experimentei com mais dor, porque não estava preparada para o sofrer. E achei que a felicidade feita só de felicidade, naquele instante existisse, e que os momentos ruins se extinguissem por si só. Bastava que o amor estivesse ali. Finalmente, as músicas de Chico Buarque me faziam mais sentido.

Passando pelo passado, hoje vejo com outros olhos esse sentimento tão bonito e, ao mesmo tempo, tão perturbador. Sei que o amor é assim mesmo, vem com voracidade, chega sem que estejamos completamente preparados, entra sem pedir licença e pede com voz baixa que tenhamos paciência e abdiquemos de certas vontades. E, apesar dos pesares, tenho a consciência de que o amor foi a melhor sensação que pude experimentar e que desistiria do resto todo só para poder sentir ele para o resto da vida.

E hoje não tenho vergonha de falar das coisas que experimentei, das sensações que me permiti e dizer que a melhor delas ainda vivencio, sorrindo e chorando, misturando a dor e alegria em um sentimento só. O amor. Simples assim.

pann
Enviado por pann em 26/10/2006
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