Reencontros da Juventude

Para meu amigo Roney Bruce que apesar de ter ter um dia intenso de trabalho e estudo, além de outras atividades como o rapel e um cargo de responsabilidade na prefeitura do Rio, realmente NUNCA ENVELHECE, nem fisicamente nem mentalmente nem espiritualmente

Para meu querido Édu, "forever young" que nunca deixou de jogar Banco Imobiliário, de sorrir escandalosamente, de ser a eterna criança que nos faz alegres ao seu redor mesmo quando em sua condição de padre.

Minhas admirações aos dois e aos quarentões ou quase, ou a quem já até passou disso que vive a vida deste mesmo jeito...

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REENCONTROS DA JUVENTUDE

Confesso que sempre fui meio frustrada com o desencontro que tive com colegas e amigos de infância e da adolescência. Saí de casa cedo, mudando de endereço mais próximo em busca de melhor colocação profissional. Como morava lá em deus-me-livre-de-tão-longe, e como é até hoje, não se dá emprego se você precisar de mais de uma passagem, acabei por ter que ir morar com minha avó para ter mais oportunidade.

Aos 18 anos fui obrigada a fazer isso porque como era tempo de terminar a pensão alimentícia que ganhava de meu pai separado de minha mãe, tive que assumir o papel de arrimo de família, deixando para trás minha vidinha de baladas e irresponsabilidades. Muita gente com as quais eu convivia sempre, sentados na pracinha tocando violão, fazendo festinhas americanas (vocês lembram das festinhas americanas?) ou nas idas ao cinema e ao centro esportivo deixei de ver sempre, para ver de vez em quando nos fins de semana que estava de bobeira, isso foi se tornando cada vez mais escasso quando fiz novas amizades no lugar onde morava e no meu novo emprego, de forma que aos poucos fui deixando de lado meu antigo bairro, pois era tão distante que acabava tendo preguiça de ir até lá.

Minhas andanças a trabalho, em viagens, visitas a parentes e novos amigos, em outros estados e atendendo ao chamado do meu eterno lado cigano acabaram por sepultar o contato que tinha com essas pessoas. O tempo passou e com a maturidade ficava a pensar, e morrer de saudades de uma época inocente, onde nós meninos e meninas tínhamos uma amizade sincera, de companheirismo, longas conversas sentados na pracinha, falando de música e projetos para o futuro. Sempre preferi ter amizade com os garotos, eles nos protegiam como irmãos, mesmo se tivessem uma “quedinha” por nós permaneciam calados, trancados em seus sentimentos, e nós como meninas-mulheres em nosso sexto-sentido nato, sentíamos, mas nada falávamos, muitas vezes para não estragar a amizade, e isso terminava por nunca ser revelado por nenhum dos dois. Tinha um círculo de amizade tão grande que aonde eu ia sempre conhecia um fulano que conhecia sicrano que conhecia beltrano. Era gostoso sair com aquela turma ou se encontrar nas festas de rua e tudo mais. Na verdade onde eu morava não era um lugar pequeno, mas por ser ainda zona rural, existiam poucas casas e por conseguinte poucos moradores, de forma que todo mundo se conhecia.

Mundo gira, saio do Grande Rio a trabalho e por fim acabo retornando para o mesmo bairro, que já crescera indevidamente. A pracinha destruída sem a grama espessa e as enormes bromélias, não existia mais festinha da igreja e nem encontros noturnos de qualquer grupinho sentado na praça tocando uma música qualquer do Legião Urbana. Na praça careca, sem bromélias e sem a enorme jaqueira que pinhava de frutos a cada temporada só podia se ver um monte de trailers encardidos vendendo de tudo: cachorro-quente, xtudo, batata frita, açaí. Uma maravilha para quem não conheceu como era a praça de antes: vento fresco, sossego, luz da lua, conversas até alta madrugada.

Um carro com a mala aberta tocando um funk com uma letra de palavras horrendas me acorda do sonho e das notas que me remeteram ao passado lembrando de vozes que entoavam juntas o hit do Engenheiros do Hawai: “um dia me disseram que as nuvens não eram de algodão, sem querer eles me deram a chave que abre esta prisão” e eu penso “Onde estarão meus antigos colegas, companheiros, onde se enfiaram todos?”

De volta pra casa demoro, mas aos poucos vou reencontrando um e outro, muitos diferentes pela marca do tempo, preocupações na família, filhos, emprego, os traços juvenis de outrora mudados pelo tempo. Inquieta, pergunto aos que encontro, “e o fulano de tal já casou”? E José, e Pedro, e João, e Maria já tiveram filhos? A resposta era sempre a mesma: “Ih, sumiram aí na vida” ou “Dizem que mora aqui no bairro, mas o trabalho o corre-corre e a gente nunca consegue se encontrar”

Eu sempre tive mais carinho por alguns amigos, o J.L. o M.C. a, baixinha S.S. Lembro do J.L. um rapaz magrinho, alto, lindos cabelos longos e bem tratados, olhos grandes cor de mel, lábios corados que compunham um rosto lindo de feições finas. Não bastasse era uma pessoa sorridente, de bem com a vida, que saia com expressões que marcaram minha vida, algumas que uso até hoje. Aquelas besteiras que se fala no meio de algumas frases que vamos pegando ao longo dos tempos, umas inventamos outras simplesmente roubamos dos outros. J. L e S.S. eram os meus melhores amigos, animados, topavam qualquer empreitada, gostavam de dançar, animando qualquer festa, o primeiro roqueiro de carteira se enfiava em qualquer show ou festa que rolasse um bom rock e nos carregava junto, apesar disso era um pessoa doce e encantadora, inteligente e louco, um louco manso que se desfazia em gostosas gargalhadas quando alguém pagava um mico. Uma delícia de pessoa. S.S. e eu éramos inseparáveis, com essa vivi toda minha infância e adolescência, aprontamos a valer e vivemos nossa juventude numa das melhores fases, anos 80, dançando e bebendo nossos doces leves coquetéis, nos divertindo as pencas. De maneira que cheguei a fazer promessa, acender vela para conseguir dar de cara com alguns deles e ter aquela gostosa conversa que gostamos de ter quando chegamos a maturidade: “Lembra daquele dia, nem me fale, nossa, você lembra mesmo, nos divertimos muito, apesar daquele mico, e o fulano, você lembra? Acabou saindo com a Mariazinha, muito feia, né?”

A S.S eu sempre mantive contato, assim como o M.C, mas o J. L parecia que tinha sumido do mapa apesar de eu ter notícia que ele morava ali, bem pertinho.

Dia desses, indo para o trabalho despreocupada sentada na van e entra um homem maduro, cabelos curtos, o nariz afilado e os olhos são os mesmos, mais de 20 anos se passaram, o rosto deixa entrever seus 40 e poucos anos. Sorrio, largamente, e penso “até que enfim”. A viagem é longa, daria para relembrar tudo que deixamos de conversar, todo o tempo que se passou. Foi o que pensei.

A decepção veio ao longo da conversa. Deparei-me com uma pessoa que nada tinha haver com aquele jovem e luz própria que conheci um dia. Ao perguntar por antigos amigos a resposta veio seca “Prefiro nem me misturar mais, sou casado tenho filhos”. Pergunto se ele ainda gosta de rock: “Tô sossegado, não tenho mais tempo pra essas coisas, shows, etc”. Resolvo mudar de assunto e digo: “Nossa como era bom esse nosso bairro, vivíamos livres, mas ainda continua sossegado. Só a pracinha que ficou acabada”. Ele responde “Minha filha só fica trancada dentro do apartamento, as outras crianças pedem, deixa a M. brincar no playground, aí eu digo pra mãe dela ‘nem pensar’, se eu ficar sabendo que deixou ela descer, vamos nos aborrecer, lugar de criança é dentro de casa”.

E a conversa transcorreu assim durante toda a viagem, um homem preocupado em não sorrir e mostrar que estava bem de vida, embora ficasse claro que não era assim por outros detalhes. Passou toda a viagem a contar vantagens e a falar de suas futuras aquisições financeiras, insistente em me passar algo que não tinha ou não era. Embora eu, com minha eterna e insistente jovialidade sorrisse todo o tempo, não obtive em nenhum momento um sorriso-resposta.

Sentada em minha mesa ao chegar ao trabalho, quase chorei, totalmente frustrada, pensava: “Tanto tempo, onde estaria aquele jovem gracioso, alegre, alto astral? Deus...”

Não seria o primeiro de meus antigos amigos que eu encontrava que “estava” ou “ficou” assim. Não conseguia entender isso, pois conforme os anos vão passando me sinto MAIS CRIANÇA, não preciso deixar de ser responsável por isso, não tenho que provar nada a ninguém. Acho que por isso, mesmo aos 38 anos mantenho a mesma face de anos atrás, tenho minhas preocupações e dívidas, meus problemas, alguns tão cavernosos que precisaria de um guru pra resolver.

Ainda ando de bicicleta sem rumo, nas estradinhas de terra que sobraram escondidas no meu bairro, alguns caminhos que só pessoas que cresceram por aqui como eu ainda conhece, roubo mangas que caem pelas cercas dos quintais, implico com as vaquinhas e imito os cavalos.

Tenho o prazer de me lambuzar com as mangas a valer com minha filha junto e depois darmos boas risadas.

Faço guerra de travesseiros até estourarem com as crianças, e como doces escondidos com elas, vendo desenhos animados, gargalhando até suforcarmos de tanto rir e doer a barriga.

Eu não preciso provar nada a ninguém, eu não sou adulta, eu “estou” adulta.

Um dia vi numa entrevista o Chico Anísio falando que deveríamos nascer velhos e ir rejuvenescendo, aí com certeza perderíamos a pose de mostrar que sabemos tudo na velhice, que somos os conhecedores da verdade, por nossos longos anos de experiência , aquela teimosia de que os velhos da família não devem ser contestados porque são sabedores de tudo iria desaparecer, pois terminariam por só saber falar “dada” “gugu” e ter que se sujeitar a ter alguém para limpar suas bundas enquanto cagassem nas fraldas.

JANA CRAVO
Enviado por JANA CRAVO em 20/01/2011
Reeditado em 22/01/2011
Código do texto: T2740632
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